Os resultados das eleições municipais de 2024 revelaram, com clareza, uma inclinação majoritária do eleitorado para o pragmatismo, afastando-se de narrativas ideológicas polarizadoras. O eleitor optou, mais uma vez, por um centro alargado e realista, que é representado por partidos que, independentemente de sua orientação específica, compreendem a importância do gerenciamento público desprovido de ideologias excessivas.
Ambos os líderes populares, Bolsonaro e Lula, viram sua influência política ser posta em xeque. Unidos pelo fardo de representarem narrativas muitas vezes desconectadas do cotidiano do eleitorado, os dois estão agora sob pressão: os votos mostram que discursos inflados e simplificadores não possuem mais o apelo de outrora.
A vitória de um centro pragmático, representado por partidos como PSD, MDB, PP, Republicanos e União Brasil, não é apenas uma indicação do momento; é uma resposta clara à busca por estabilidade e competência administrativa, atributos que esses partidos souberam comunicar de maneira mais efetiva. Para o Partido dos Trabalhadores (PT), os números foram enfáticos. Com apenas 252 prefeituras conquistadas, o PT ficou atrás até do PSB e do PSDB, sendo que este último, embora decadente, ainda apresentou maior capilaridade.
“A vitória de um centro pragmático é uma resposta clara à busca por estabilidade e competência administrativa”
Nem mesmo o uso da máquina federal e os recentes indicadores econômicos positivos — como crescimento do PIB, controle da inflação e redução do desemprego — conseguiram turbinar o desempenho do partido. Por sua vez, Jair Bolsonaro encontrou motivos para celebrar o crescimento do PL, partido que se consolidou como um dos maiores do país. Contudo, a comemoração deve ser cautelosa: embora tenha ampliado seu alcance, o bolsonarismo perdeu terreno para narrativas da direita mais moderada.
Além disso, parte dos eleitores de direita migrou para posições de centro-direita ou mesmo para o campo centrista, sinalizando uma busca por alternativas menos radicais. Bolsonaro enfrenta, assim, uma crise de representatividade dentro de seu próprio espectro político, que pode exigir uma reformulação de suas bases de apoio. Para Lula, o caminho é árduo. Caso deseje preservar alguma viabilidade eleitoral, ele terá que modernizar seu discurso, tornando-o mais acessível ao centro e investindo numa comunicação mais efetiva e alinhada às novas demandas sociais.
Enfim, as eleições municipais funcionam, no Brasil, como uma espécie de “eliminatória” para as eleições gerais de 2026. A configuração política emergente sugere que o Congresso a ser eleito daqui a dois anos deve espelhar o pragmatismo que emergiu das urnas agora, com um aumento da influência do centro alargado em detrimento das pontas ideológicas. Embora seja comum argumentar que as eleições gerais diferem em dinâmica das municipais, o cenário atual coloca Lula e Bolsonaro diante de desafios complexos para 2026.
A sorte de ambos os líderes reside, ironicamente, na escassez de nomes competitivos para a disputa presidencial. O PT não possui alternativas de peso que possam substituir Lula, enquanto a centro-direita ainda oscila entre aguardar a elegibilidade de Bolsonaro ou lançar um nome viável que possa catalisar as aspirações pragmáticas do eleitorado.
Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917