O futuro a Deus pertence, mas examinar riscos potenciais não é mero exercício de futurologia. É verificar as tendências possíveis e buscar aproveitar as oportunidades para minimizar riscos. Por isso, milhões de dólares são gastos na prospecção das probabilidades.
Mergulhar no mundo das tendências implica lutar contra as preferências e as convicções. É como analisar uma partida e constatar que seu time está jogando mal. É reconhecer os erros. Muitos fazem exercício de tendências baseados em preferências pessoais ou na tese do “não é possível que tal coisa possa acontecer”.
A primeira regra, ao se observar 2023 do ponto de vista de dezembro de 2022, é reconhecer que tudo pode ocorrer. O novo ano é página em branco a ser escrita. A segunda regra é identificar riscos. E alguns já despontam no horizonte: o contexto internacional e suas consequências inflacionárias e comerciais para o Brasil; a conjuntura nacional de inflação; as pressões salariais; o aumento dos gastos públicos.
No campo internacional, o Brasil é passageiro de um mundo conturbado. Nossas ações devem ser preventivas em relação às nossas fragilidades, em especial no tocante ao combustível refinado. A questão dos fertilizantes parece resolvida no cenário imediato, mas existem incertezas importantes.
Na seara nacional, o ímpeto para investimentos está contido por conta dos rumos da política econômica. Não se teme uma tragédia, mas erros podem abalar a confiança e até gerar retrocessos na agenda de reformas. As expectativas para a alta do PIB em 2023 são pálidas.
Devemos observar os índices de confiança, que estão em queda, no primeiro trimestre do ano. Será uma amostra da confiança por parte do empresariado e do consumidor na economia. Não se trata apenas de a questão ser mais ou menos liberal, como alguns no novo governo pensam. Trata-se da questão de atuar com pragmatismo e previsibilidade.
“Existe o temor de que as turbinas da política econômica funcionem em contradição e desarmonia”
Há discussões represadas que podem fazer aflorar, por exemplo, demandas por reajustes salariais de categorias do serviço público, além dos efeitos da bomba fiscal da PEC da Transição, o que poderá desembocar em aumento de impostos. São riscos que estão sendo considerados pelo mundo privado.
Existe ainda o temor de que as turbinas da política econômica funcionem em contradição e desarmonia. Por exemplo: o Ministério da Fazenda adotando práticas expansionistas, e o Banco Central seguindo na linha oposta, por temor de um surto inflacionário.
Nesse sentido, o ocorrido há poucos meses no Reino Unido é lembrado por líderes do mercado financeiro. A breve primeira-ministra Liz Truss colocou o país na rota da incerteza, e o Banco da Inglaterra teve de intervir, comprando dívida de longo prazo para impedir o colapso da libra. Desavenças na política econômica são fatais, caso não sejam resolvidas de forma pragmática.
Portanto, vale dizer, sem juízo de valor em relação ao novo governo e desejando o sucesso que os brasileiros merecem: o cenário do ano que vem é complexo. E o julgamento da realidade tem sido, claramente, negativo. Basta ver os índices futuros e o desempenho do mercado acionário. Caberá à futura gestão reverter as expectativas e não deixar a defesa desguarnecida por conta de um imaginário desconectado da realidade.
Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820