À luz da preocupante onda de fechamento de livrarias nos Estados Unidos, personalidades lançaram uma campanha com o slogan “Bookstores Save Democracy”. Lá, porém, apesar do fechamento de muitos estabelecimentos, a comercialização de títulos impressos ainda é muito maior do que a dos eletrônicos. Em 2022, a venda de livros impressos rendeu 13 bilhões de dólares, enquanto a de eletrônicos alcançou apenas 1,87 bilhão de dólares. Mas o fechamento de lojas físicas preocupa também pelo sentido político e cultural do fato — muito além da questão das vendas.
As livrarias são um ponto de encontro de pessoas que querem saber mais e refletir sobre o mundo. Entrar em uma livraria é encontrar a diversidade. Desde a simples experiência sensorial de se folhear o livro antes de comprá-lo. A exposição das obras nas prateleiras permite a descoberta de temas e autores que podem despertar novos interesses, novas ideias e novos caminhos. Livrarias possibilitam, ainda, uma integração social entre os clientes. O prazer de frequentar esses “templos” motivou uma frase extraordinária de Jorge Luis Borges: “Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria”.
Como nos Estados Unidos, o Brasil vem perdendo esses espaços. Dados da Associação Nacional de Livrarias (ANL) mostram que em 2014 existiam 3 095 lojas no país; em 2021, eram apenas 2 200. Números ridículos frente ao tamanho da população do país. Nos Estados Unidos existiam, no início deste ano, cerca de 10 000 estabelecimentos, número relativamente baixo para a população do país. A Itália possuía, em 2022, cerca de 3 600 endereços do tipo para uma população de 60 milhões.
“Elas funcionam como um ponto de encontro de pessoas que querem saber mais e refletir sobre o mundo”
No Brasil, onde o índice de leitura é bem mais baixo do que nos Estados Unidos, a situação preocupa mais. Não somente pela inexistência de livrarias em inúmeras cidades, mas também pelo decréscimo na circulação de jornais e revistas. Por aqui, dispositivos eletrônicos ainda são um luxo e as livrarias já estão sendo fechadas. E o hábito da leitura vai perdendo espaço entre as novas gerações, que vivem com aparelhos eletrônicos nas mãos.
Gerações sem leitura serão presa fácil para narrativas não reflexivas e que apresentem soluções e prazeres imediatos para a sociedade que trafega na superficialidade. Com isso morre a cultura tradicional, cujos filósofos nos legaram valores, princípios e conceitos que construíram a civilização. Longe das livrarias e das bibliotecas, a democracia corre perigo. O combate à desigualdade, ao racismo e à violência também corre perigo, com uma população que se orienta por declarações superficiais e que empreende uma volta à oralidade na transmissão de costumes.
Do outro lado do problema, quem lê terá vantagens e comandará os que não leem, fazendo da política um jogo cada vez mais elitista entre os que sabem e os que pensam saber. Finalmente, é bom lembrar que todos os ditadores do século passado leram muito. E usaram a leitura como vantagem para enganar os povos, construindo narrativas de submissão e tomando o poder.
As livrarias devem prosseguir existindo, como faróis de cultura e educação. Devem ser ambientes livres de taxas e com estímulos a quem as mantém. Editoras devem ter as imunidades tributárias expandidas para que as livrarias vivas prossigam. As livrarias como espaço de reflexão podem atuar como catalisadores de iniciativas que robustecem a capacidade de pensar. Afinal, livrarias salvam a democracia.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859