Muito se fala do desafio de alimentar a população mundial. As previsões citam um cenário de aumento de população e, consequente, de consumo de produtos. Para conseguir superar esse cenário de maneira sustentável, todos os agentes produtores de alimentos precisam se fortalecer e produzir mais produtos com os mesmos (ou até menos) recursos que utilizados atualmente.
Um dos importantes grupos de agricultores envolvidos são os chamados “pequenos produtores” que prefiro chamar de “produtores com pequenas propriedades”, segundo projeções de pesquisadores do tema, representam mais de 80% das fazendas do mundo. Além disso, esses mesmos agricultores fornecem, atualmente, entre 30% e 35% de todos os alimentos que são consumidos no mundo. Mas você sabe o que é um produtor rural com propriedade de pequeno porte? Vamos abordar esse tema.
Definir o que é não é tarefa fácil, já que na própria academia existem diferentes pontos de vista do que deve ou não ser considerado nessa “categoria”. Essa confusão acontece principalmente porque o que em uma região pode ser caracterizado como “pequena”, pode ser totalmente diferente em outra região. Além disso, algumas vezes pode ser confundido também com o termo “agricultura familiar”. Em suma, é importante pensar que este produtor não possui grandes extensões de terras, geralmente não utiliza mão de obra contratada (contando no máximo com o auxílio de familiares) e que, normalmente, cultiva hortifrutis (frutas, vegetais e legumes), café, leite, suínos, entre outras atividades.
Contudo, este agente tão importante sofre com diversos desafios para se manter na atividade. Existem fatores relacionados às variáveis ambientais como a infraestrutura logística do país e diversos riscos do negócio que, mesmo afetando todos as propriedades, tem um impacto muito maior nas de porte menor, pois estes produtores têm maior dependência da sua atividade e não tem grandes extensões de terra ou volumes de produção elevados que poderiam compensar a quebra em um determinado talhão; ou uma oscilação do mercado que fez os custos produtivos aumentarem subitamente.
Outro ponto ligado a uma variável incontrolável é o fato de que, por trabalharem com culturas que normalmente não estão em Bolsa, não conseguem travar preços ou mesmo as pesquisas privadas desenvolvidas em torno de novas variedades e de manejo desses produtos – é inferior ao que se encontra em cultivos de maior escala, como nos grãos, por exemplo.
Outros desafios a serem superados incluem questões mais internas do produtor, como o acesso a recursos financeiros, conhecimento, tecnologias e ativos produtivos e, principalmente, falta de acesso a mercados. Este último ponto poderia ser parte da solução dos problemas anteriores, já que, ao obter acesso a canais de comercialização, o produtor receberia dinheiro para financiar sua produção, conseguiria adquirir insumos que o tornariam mais produtivos, poderia expandir sua produção; entre muitos outros benefícios de estar integrado a cadeias produtivas.
Entretanto, os compradores desses produtos (como supermercados e hortifrutis) buscam facilitar seu processo de compra e aquisição ao comprar “de uma só vez”, de produtores de grande porte. Isso faz com que os de pequeno porte não consigam acessar esses mercados ou, ainda, ficarem nas mãos de intermediários na cadeia, os quais acabam ficando com uma fatia significativa de suas margens por fazerem o papel de formadores de lotes ao comprar de diversos produtores na região e vender aos atacados e varejos.
Uma das alternativas mais interessantes para esse perfil de produtor é o de buscar estratégias para encurtar a cadeia de distribuição, por meio de ações coletivas. Podemos destacar três dessas:
- (1) CSAs, ou “Comunidades que Sustentam a Agricultura”, que são organizações de consumidores que se unem para financiar a produção de produtores com propriedades menores e locais em um sistema de “adoção” de agricultores;
- (2) “Programas Públicos de Aquisição de Alimentos”, sendo os mais conhecidos o PNAE e o PAA (órgãos públicos financiam a aquisição de produtos para escolas, hospitais, quartéis e outros pontos, advindos de propriedades menores e/ou locais); e
- (3) Cooperativas e Associações, que são grupos formais criados por produtores para adquirirem maior força nas negociações tanto de compra de insumos quanto na venda de sua produção, objetivos que são alcançados pela conquista de maior escala advinda da aglutinação.
Os desafios são enormes, mas fica claro que existem alternativas para maior inclusão dos produtores com pequenas propriedades. Para a manutenção e incremento da sustentabilidade e geração de impacto positivo, tanto econômico quanto social que o agronegócio possui hoje no Brasil, o olhar para esse agente passa a ser imprescindível. Políticas públicas que incentivem e fomentem a cooperação e o acesso a mercados compradores devem ser estimuladas em todos os âmbitos. E sempre o empreendedorismo, pois temos no Brasil muitos “grandes produtores que são de pequeno porte, com pequenas propriedades”. Grandes em gestão, em visão em competência.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Flávio Ruhnke Valério e Vinicius Cambaúva.