Vale a pena ver de novo: Nixon contra o ministro da Justiça
No episódio conhecido como Massacre de Sábado à Noite, o presidente americano riscou ministro e substituto; todo mundo sabe como acabou
Comparações históricas são tão perigosas quanto irresistíveis.
Então, não resistamos.
Richard Nixon estava numa encrenca desgraçada à medida em que um caso banal, uma atrapalhada tentativa de grampear um comitê do Partido Democrata no complexo de escritórios de Watergate, se transformava num caso cada vez mais claro de obstrução de justiça e outros crimes.
Foi aí que ele desafiou a primeira lei dos buracos: se estiver dentro de um, pare de cavar.
Exigiu que Elliot Richardson, seu ministro da Justiça – nos Estados Unidos, o Attorney General, com algumas funções equivalentes, outras não – demitisse o promotor especial indicado para investigar, de maneira independente, o escândalo.
Richardson disse não. E pediu demissão.
Nixon mandou que o número dois do ministério, William Ruckelhauss, cumprisse a ordem de cortar a cabeça de Archbald Cox.
Ruckelhauss disse não. E pediu demissão.
Nixon conseguiu o que queria com o terceiro nome da hierarquia do Departamento da Justiça, Robert Bork. Mesmo tendo cogitado sair, Bork acabou cedendo, inclusive para segurar a estrutura do ministério.
Muito depois, quando Ronald Reagan o nomeou para a Suprema Corte, a fraqueza do passado voltou para assombrá-lo – fora a gana da oposição democrata que bloqueou a indicação irreversivelmente.
O caso ficou conhecido como o Massacre de Sábado à Noite. Aconteceu em 20 de outubro de 1973.
Dez dias depois, a Câmara abriu o processo de impeachment contra Nixon.
No ano seguinte, em 9 de agosto, Nixon renunciou depois que os dois senadores e o deputado que ocupavam os principais cargos do Partido Republicano avisaram que não ia ter jeito: o presidente seria condenado no Senado. Teria no máximo 15 votos favoráveis.
Diante da realidade dos fatos, Nixon aceitou que a renúncia seria melhor para ele e para os Estados Unidos.
E lá se foi o helicóptero levando-o para bem longe da Casa Branca, uma cena histórica que se tornou a imagem de um desastre político de proporções titânicas.
Elliot Richardson não era nenhum Sergio Moro, o “juizeco do interior” que se tornou paladino do combate à corrupção, uma figura de enorme projeção nacional.
Vinha da elite de Boston, Harvard e do Partido Republicano – tudo o que Nixon detestava. Tinha sido chamado para apagar um incêndio já de proporções incontroláveis – embora ainda não soubesse.
Mas estava decidido a ir fundo. Escolheu Archibald Cox como promotor especial para escavar “todas as evidências documentais disponíveis de qualquer fonte que seja, às quais terá amplo acesso”.
A coisa complicou quando um ex-integrante do gabinete, presidencial equivalente à antiga Casa Civil, Alexander Butterfield, revelou uma bomba: Nixon gravava todas as reuniões na Casa Branca. Ele próprio havia instalado o sistema secreto.
O promotor especial requisitou as fitas, Nixon invocou o privilégio presidencial ao sigilo e bloqueou uma parte das gravações.
O promotor especial resistiu e Nixon mandou Richardson demiti-lo. Durante meia hora, discutiram no Gabinete Oval – enquanto chegavam as informações sobre os estágios finais da Guerra do Yom Kippur, com monumentais implicações diante da potencial reação da União Soviética à destruição da máquina bélica de seu aliado, o Egito.
Diante da resistência de Richardson a quebrar a palavra dada ao promotor especial e ao próprio Congresso de não interferir na investigação, Nixon apelou: “Lamento que você não possa colocar o interesse nacional acima de suas considerações”.
“Gostaria de acreditar que o que estou fazendo é em nome do interesse nacional”, respondeu Richardson.
O republicano caretão, da direita mais irretocável, tinha sido socorrista durante o Desembarque na Normandia. Voltou coberto de medalhas e com uma convicção:
“Eu achava que ia ser morto. As baixas eram tão pesadas que isso era uma certeza. Aprendi a enfrentar cada dia, cada missão, de cada vez. Levei isso para toda a minha vida profissional”.
A cada um, a sua missão.