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Um ano: Israel desfecha golpes mortais contra inimigos e chora perdas

O país aturdido de 7 de outubro de 2023 não existe mais e israelenses retomam poder de dissuasão, mas problemas sistêmicos continuam

Por Vilma Gryzinski 7 out 2024, 06h40
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  • Todas as pessoas de boa vontade gostariam de ver a paz no Oriente Médio, mas todas as pessoas não vivem em Israel, na verdade; são apenas dez milhões de habitantes, dos quais sete milhões de judeus, confrontados constantemente com inimigos que prometem fazer tudo de novo o que fizeram há um ano, mesmo que reduzidos a ruínas.

    Dizimar suas forças foi uma tarefa momentosa – e custosa, inclusive em matéria da batalha da opinião pública, a frente onde Israel sempre entra perdendo, por uma mistura de ressentimentos milenares contra judeus e uma imagem distorcida da guerra, mostrada em múltiplos meios como ataques desproporcionais a civis. A obsessão contra Israel chegou ao ponto em que o presidente Emmanuel Macron pediu um embargo de armas usadas em Gaza contra o país, um desenvolvimento grave apesar do papel quase sem nenhuma importância da França no Oriente Médio. Se Israel não está ouvindo Joe Biden, imaginem Macron.

    Com todo o enorme custo, incluindo 728 militares que tombaram nas frentes agora múltiplas, o país que parecia perdido e desmoralizado com o horrivelmente mal diagnosticado ataque em massa do Hamas, ao romper com facilidade e métodos low tech a cerca high tech entre Gaza e o sul de Israel, está numa dinâmica vencedora.

    Para isso, seus líderes civis e militares tomaram uma dolorosa e não declarada decisão: a guerra ao Hamas tinha uma importância existencial maior do que recuperar os vivos e os mortos levados como reféns. É terrível constatar isso, mas é a realidade.

    FOME EXTREMA

    Dos 97 sequestrados em Gaza depois do único acordo de libertação de reféns e poucos resgates, calcula-se que hoje estejam vivos entre trinta e setenta.

    As condições em que foram encontrados os corpos de seis reféns assassinados a sangue frio no começo de setembro, quando as Forças de Defesa de Israel pareciam prestes a encontrá-los, são de extrema crueldade e indicam que outros cativos podem não ter sobrevivido aos maus tratos . Os seis eram mantidos num “túnel de passagem”, com apenas 1,50 metro de altura. Urinavam em garrafas de plástico. Mal podiam respirar.

    As condições lembram a oubliette medieval, um tipo de cela em que os prisioneiros não podiam ficar em pé e eram esquecidos até morrer. Os quatro homens tentaram defender as duas mulheres na hora da execução, segundo os dados forenses levantados depois que os militares resgataram os corpos..

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    Todos passaram fome extrema. A refém Eden Yerushalmi pesava apenas 36 quilos quando foi morta. Hersh Goldberg-Polin, um jovem de 1,80 metro que sobreviveu no cativeiro à perda de um braço explodido por uma granada no 7 de outubro, estava com 52 quilos. A extrema desnutrição de todos evoca, abominavelmente, o estado em que foram encontrados os sobreviventes dos campos de extermínio da Alemanha nazista.

    ALVO MUITO MAIOR

    Por causa dos reféns que ainda sobrevivem, Israel não pode usar contra Yahya Sinwar, o líder do Hamas que se cerca de cativos nas profundezas dos túneis de Khan Yunis, o mesmo método de bombas que explodem bunkers subterrâneos empregado para encerrar a longa carreira de perversidades do chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah.

    Dele e de dezenas de outros, obrigados a se reunir presencialmente depois que os pagers de militantes comuns começaram a explodir, outro feito israelense inacreditável e sem precedentes, com os aparelhos desenhados pelo Mossad, montados em Israel e vendidos através de empresas de fachada.

    Sem métodos seguros de comunicação, o general Abbas Nilforouasham, tinha a missão de avisar Nasrallah de um plano iminente para sua morte e levá-lo para o Irã. Não deu tempo. O primo e sucessor de Nasrallah, Hashen Safieddine, também teve a mais curta trajetória da história de comando de organizações terroristas: nem chegou a assumir oficialmente a liderança.

    Ontem, começaram a circular as informações sobre um alvo muito maior. Segundo o New York Times, no mesmo lugar atacado estava o comandante das operações externas da Guarda da Revolução Islâmica do Irã, Esmail Qaani, que também teria ido de Teerã para Beirute tratar da recomposição do Hezbollah. O antecessor de Qaani foi explodido por um míssil americano em 2020, durante uma visita ao Iraque. Por causa da morte de Qasem Soleimani, o Irã trama assassinatos contra ex-integrantes do governo americano e até contra Donald Trump.

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    SOBREVIVÊNCIA NACIONAL

    O Irã, todos sabem, é o grande inimigo de Israel. Na véspera do primeiro ano desde os massacres de 7 de outubro, o líder máximo Ali Khamenei apareceu em público e louvou como “legítimo” o massacre de 1 195 pessoas, incluindo crianças mortas na frente dos pais, idosos incinerados vivos e estupros em massa, antes ou até depois da execução, de jovens, mulheres e também homens, especialmente os que participavam da festa eletrônica Nova, onde 364 foram chacinados.

    A facilidade com que o Hamas agiu, a demora de até 24 horas para que o socorro chegasse e a espantosa falha de inteligência, justamente o campo onde Israel sempre brilhou, deixaram o país em estado de trauma e estupor.

    Nos últimos seis meses, o Irã por duas vezes desfechou ondas de mísseis destinadas a matar a maior quantidade possível de pessoas em Israel, o que só não conseguiu por causa da quase invulnerabilidade criada pela Cúpula de Ferro, o conjunto de sistemas de defesa antiaérea capaz de derrotar os atacantes.

    As fraquezas expostas no 7 de Outubro também levaram a opinião pública a se convencer mais do que nunca que só a força garante a sobrevivência nacional. Uma pesquisa da semana passada (antes do segundo ataque iraniano) mostra que 68% aprovam um ataque direto ao Irã se o Hezbollah continuar a disparar foguetes contra Israel.

    Mais: 66% são contra a solução dos dois estados (sendo 72% dos judeus e 27% dos israelenses árabes), vista como a única saída possível pelo resto do mundo. Nada menos que 92% duvidam que a Autoridade Palestina, se ganhasse autoridade em Gaza (de onde foi expulsa com grande violência pelo Hamas), evitaria um segundo 7 de Outubro.

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    HERANÇAS MALDITAS

    Exatamente 0% dos judeus (31% dos árabes) apóia a criação incondicional de um estado palestino.

    Essas são as dimensões da realidade e uma das muitas heranças malditas do 7 de outubro do ano passado.

    As incríveis vitórias de Israel nas últimas semanas, capazes de mudar a dinâmica da guerra, não alteram o fato de que ninguém ganhará a paz.

    Israel “não durará muito”, pregou Khamenei, propugnador de uma versão deturpada e criminosa do Islã xiita, sob cuja égide, no passado, floresceram sábios e poetas, homens iluminados por uma visão mística da religião muçulmana e não criminosos fanáticos como os líderes de hoje.

    Desde 7 de outubro passado, os israelenses “se reúnem nos cemitérios”, como desejam seus inimigos. Mas também lutam, lutam, lutam.

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    Qual seria a outra opção?

    MUTILAÇÃO SISTEMÁTICA

    São muitas as histórias sobre as perversidades indizíveis cometidas no 7 de outubro, tantas que fica difícil determinar quais serão reproduzidas. Escolhemos aqui trechos do depoimento dado a Allison Pearson, do Telegraph, pela arquiteta Shari Mendes, voluntária num grupo formado por mulheres comuns para manusear os corpos de militares do sexo feminino mortas em ação. Ela vem falando desde o início, mas seu testemunho tem uma simplicidade que continua a impressionar.

    Nada, obviamente, nem de longe a preparou para o que veria, tanto entre as soldados mortas quanto as jovens da festa rave Nova, de cujos corpos ajudava a extrair objetos pessoais. Alguns trechos:

    “Algumas das jovens tinham piercings no nariz e os rostos estavam completamente destroçados. E eu, que sou cheia de melindres, tive que trabalhar com um dentista que estava tirando o piercing do nariz de um rosto do qual não tinha sobrado nada, só o nariz”.

    “Vimos mulheres mortas a tiros, no coração, na cabeça, mas também as que levaram muitos tiros no rosto, uma mutilação sistemática porque parecia que queriam destruir o rosto dessas mulheres. Muitas eram soldados jovens, muitas tinham sido muito bonitas”.

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    TIROS NOS SEIOS

    “Fomos avisadas que chegaria um corpo sem pernas. Os terroristas tinham cortado as pernas dela. Houve obviamente uma imensa violência sádica”.

    “Mulheres com tiros nos seios, na virilha, e não disparados para matar”. Uma chegou com uma faca na boca.

    “Houve tanta violência e foi totalmente sexual”.

    Pelo terceiro ou quarto dia, Shari Medes achou que não conseguiria continuar, mas a responsabilidade com as famílias das vítimas a obrigou a ir adiante. “Elas poderiam ser nossas filhas”.

    Em outro depoimento, o reservista Nimrod Palmach, que foi sozinho combater as forças improvisadas, com militares e civis, a oporem a primeira resistência, disse que encontrou um terrorista morto com um mapa de um kibbutz e algumas frases em hebraico. Uma delas: “Abaixe a calça”.

    No kibbutz Beeri, o mais devastado, Palmach viu “mulheres estupradas, crianças mortas em carros, famílias incineradas, corpos inteiros ou mutilados. Uma cabeça espetada num ancinho”.

    “MATEI DEZ JUDEUS”

    São algumas histórias, no meio de tantas. Há documentários rememorando cenas indizivelmente mais chocantes, inclusive registradas, com orgulho, pelos próprios atacantes do Hamas.

    Quem pode esquecer o telefonema de um dos assassinos com as seguintes palavras: “Pai, estou ligando do telefone de uma judia. Acabei de matá-la e o marido; matei dez judeus com minhas próprias mãos”.

    A guerra que se seguiu, com todas as suas terríveis consequências, não pode nos fazer esquecê-las. Clamar por um cessar-fogo – pedidos que aumentam sempre que a dinâmica vai a favor de Israel – é fácil para quem está longe. Quem pode ser contra o fim de uma guerra?

    Mas existem também as guerras de autodefesa ou simplesmente inevitáveis. Os inimigos de Israel são os primeiros a dizer que não querem um acordo, uma saída, uma solução. “Não queremos dois estados, queremos 1948”, dizia uma faixa levada no sábado em Londres, um dos centros da civilização ocidental, referindo-se à situação anterior à criação de Israel. Outros diziam: “Amo o Hezbollah”.

    JUÍZO FINAL

    Os inimigos querem ver os judeus nos cemitérios, mortos ou chorando seus entes queridos. Espetam cabeças decapitadas em ancinhos.

    Momentos de alto potencial de conflagração ainda estão pela frente, por causa da grande instabilidade no Líbano e do risco de confronto ampliado com o Irã, com o plano sinistro do regime fundamentalista de destruir Israel e a possibilidade próxima de que possa tentar fazê-lo, com a produção de artefatos nucleares.

    Israel ataca preventivamente as instalações nucleares iranianas, desencadeando uma guerra “mais terrível do que Sodoma e Gomorra”, ou corre o risco de que um dia as armas do juízo final se voltem contra o país? Qual o tipo de ataque tem um real poder de dissuasão, considerando-se que a resposta contida, por pressão americana, à chuva de mísseis iranianos em 13 de abril não serviu para nada e houve um novo ataque?

    O primeiro ano desde o massacre foi apenas uma parte dessa história, hoje mais perigosa do que nunca.

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