O conglomerado noticioso estatal da Alemanha, abreviado para DW, foi contundente: “O ressurgimento econômico pós-pandemia tem pouco a ver com a política econômica da primeira-ministra Giorgia Meloni e tudo a ver com subsídios e mais dívida”.
Como se diz uvas verdes em alemão?
Não é fácil admitir o bom desempenho da Itália, um país que era tratado por autoridades alemãs como um caso perdido a ser duramente enquadrado nos princípios da racionalidade econômica, mas a DW não deixa de ter razão.
A Itália foi beneficiada por um dinheiroduto vindo da União Europeia para salvar a pátria dos efeitos deletérios da economia – no total, entre o que entrou e vai entrar, de 190 bilhões de euros.
Ajudou no crescimento modesto, mas considerável pelos padrões europeus, de 0,5% no último trimestre de 2023, contra o encolhimento de 0,2% da Alemanha. Para 2024, a previsão é de 0,6% contra 0,4%.
UM DEGRAU ACIMA DO BRASIL
Obviamente, se Giorgia Meloni fosse a louca extremista que tanta gente boa anunciou, com base na execrável origem neofascista de seu partido, o Irmãos da Itália, poderia simplesmente desperdiçar a ajuda europeia em bobagens. Mas a Itália está se recuperando mais depressa do que todos os parceiros europeus e manteve o lugar de oitava economia do mundo no ano passado – um pequeno degrau acima do Brasil, com PIB de 2,2 trilhões.
Com o detalhe de que nós dependemos das exportações agrícolas, com seus altos e baixos, e estamos extremamente vinculados à China.
Um dos motivos do baque sofrido pela Alemanha, que chegou a exportar 8% de sua produção para a China, foi a retração no mercado asiático. A Itália exporta apenas 2,6% para a China.
A Alemanha também sofreu um chamado “golpe geoestratégico” e teve que renunciar ao gás barato vindo da Rússia por causa da invasão da Ucrânia, com prejuízo para sua poderosa máquina industrial.
Em compensação, “a Itália está desfrutando de um forte crescimento per capita, o indicador que realmente conta para definir se os cidadãos estão realmente mais ricos ou não”, escreveu Jeremy Warner no Telegraph. “Depois décadas de estagnação, o PIB per capita hoje é 5% maior do que antes da pandemia, ultrapassando amplamente Alemanha, França, Reino Unido e Espanha”.
COOPTADA E “TRAIDORA”
A eleição de Giorgia Meloni em 2022 propiciou, contra tantas expectativas, a estabilidade política que tanto faltava à Itália, com a interminável sucessão de dezesseis governos em vinte anos. Na análise de Warner, ela também “confundiu seus críticos com uma abordagem pragmática das questões de governo que parece ser a antítese das raízes populistas das quais brotou”.
“Ela cancelou a renda mínima universal, que estava prejudicando a busca por emprego, retrocedeu na taxação de lucros excepcionais dos bancos e, apesar das opiniões eurocéticas e pró-Putin reinantes em seu partido, enquadrou-se na linha do resto da Europa em relação à Ucrânia e adotou a agenda de reformas que era uma condição para o fundo de estímulo da União Europeia”.
Por causa dessa volta para o centro, Meloni já foi chamada de cooptada, seduzida por Davos e até de traidora.
“A esquerda está com problemas e, se quisermos dar um presente a ela, comecemos a brigar entre nós”, avisa Meloni.
COLÔNIA DE FÉRIAS
A afinidade que descobriu com a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, também pega mal para os que têm como bandeira principal a imigração ilegal, como Matteo Salvini. O líder da Liga sonha o tempo todo, obviamente, em pegar o lugar de Giorgia Meloni – provavelmente até durante os jogos de buraco que disputam depois do trabalho.
Alianças e conflitos do tipo vão ficar mais claros com a eleição para o Parlamento Europeu, em junho, com as pesquisas prognosticando uma vitória expressiva de candidatos de direita de diferentes tendências. Von der Leyen quer continuar, pelo Partido Popular Europeu, de centro-direita. Meloni é presidente dos Conservadores Europeus, mais à direita.
Muitos analistas consideram o “decrescimento” da Itália uma questão de tempo. E, como sempre, os alemães criticam o país que se acostumaram a tratar como uma colônia de férias, atribuindo os resultados positivos a uma política fiscal relaxada demais, aos empréstimos e subsídios da União Europeia e a uma dívida insustentável de 140% do PIB.
Mas quem diria, que em 2022, ainda sob o trauma de uma pandemia particularmente cruel na Itália e com o alarmismo que levou a revista alemã Stern a chamá-la de “a mulher mais perigosa da Europa”, Giorgia Meloni estaria recebendo elogios pela política econômica e até o rótulo de “centrista no armário”?