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Tirando do mapa: promoção de pessoas trans apaga até palavra “mulheres”

Para parecer que são antenados e “aliados”, muitos elogiam até a beleza inexistente da Miss Holanda e contribuem para discriminar mulher

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 17 jul 2023, 08h14 - Publicado em 17 jul 2023, 07h43

A beleza está nos olhos de quem vê — todo mundo sabe disso. Num esforço movido por boas intenções, muitos que veem Rikkie Valerie Kollé querem se convencer de que a nova Miss Holanda é uma mulher bonita. Ela não é uma coisa nem outra, mas, contra todas as evidências que nossos olhos registram — mãos enormes, ombros musculosos, tórax masculino e feições que todos os procedimentos de feminilização não conseguem fundamentalmente alterar — é quase como se houvesse uma combinação mundial para dizer que ela é linda.

Parabéns a Rikkie por ter conseguido isso: não fez nada de errado, ao contrário, jogou o jogo de acordo com as regras e levou o prêmio. Teria que dar um duro danado para enfrentar um Miss Brasil Gay, mas essa é a vida. Talvez as regras tenham sido ligeiramente forçadas, considerando-se que a dona do concurso, Anne Jakapong Jakrajutapip, é uma mulher trans que fez fortuna por mérito próprio e hoje controla os concursos de Miss Universo, Miss USA e Miss Teen USA, todos domínios que já foram de Donald Trump — com uma atitude notoriamente invasiva em relação às beldades que passavam por seus palcos.

Mas quem acha que as palavras justiça e concursos de miss, uma invenção das primeiras décadas do século passado que continua a exercer um poderoso fascínio sobre muitos públicos, andam juntas deveria ter seu teor de ingenuidade checado.

O adjetivo mais usado em relação a Rikkie foi “histórico”, como se fosse uma grande conquista da humanidade. É mais uma prova de que a necessária disposição a acatar e respeitar todas as pessoas, inclusive as quem passam pela extrema complexidade de achar que nasceram com o gênero errado, está sendo transformada numa imposição absurda que chega ao ponto de discriminar as mulheres, oneradas agora com o adjetivo “biológicas”, com a invasão de esferas onde deveriam ter exclusividade e até com manifestações de desprezo muito mal disfarçadas.

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A ridicularização do comportamento feminino virou um fenômeno nos Estados Unidos com a influenciadora trans Dylan Mulvaney, que se especializou em “incorporar” o supremo estereótipo de uma mulher burra e alienada. Deu errado no caso da cerveja Bud Light, que a contratou como promotora, mostrando que uma parte do público não se sente obrigada a aceitar esse tipo de imposição. Dylan teve uma crise, largou tudo e foi para o Peru, onde, entre outras observações relevantes, disse que viu “muitas lhamas”. A Bud Light caiu de cerveja mais consumida nos Estados Unidos para o décimo-terceiro lugar.

Mas o movimento para que todos repitam, incessantemente, que mulheres trans não têm absolutamente nenhuma diferença com as biológicas é forte. Até exaltar as trans em detrimento das originais virou moda. Exemplo rápido: o New York Times foi um dos muitos meios que se desdobrou em babação com a “histórica” eleição da Miss Holanda trans. Dias antes, havia publicado uma longa reportagem sobre a ginasta universitária Olivia Dunne, uma beldade de cair o queixo. Mas a reportagem a menosprezava várias vezes como “beleza feminina tradicional” — algo que para o Times tem o sentido de coisa errada. A reportagem praticamente a denunciou por ser bonita e sensual, e ganhar horrores com isso nas redes sociais. “Sexo vende”, bufou o jornal.

Olivia Dunne respondeu em tom nada temeroso — e sapateou em cima do conceito de “beleza feminina tradicional”, essa coisa a que o Times tem ojeriza, posando de biquíni, estonteantemente linda, para o número especial da Sports Illustrated.

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Há mais do que conceitos de beleza envolvidos na questão. Por exemplo, uma organização beneficente britânica dedicada ao combate ao câncer de colo co útero simplesmente eliminou a palavra “vagina” de sua comunicação pública. A ideia é não discriminar mulheres biológicas que viraram homens trans. Para isso, o órgão genital feminino passou a ser tratado de “buraco extra” ou “buraco da frente”.

É um absurdo tão repugnante que até na enlouquecida Inglaterra causou repúdio. Disse Bev Jackson, de uma organização de lésbicas chamada Aliança LGB: “O fato é que mulheres têm vagina. É lamentável que alguém considere que isso seja ofensivo. Linguagens condenáveis que intencionalmente desumanizam as mulheres precisam ser rejeitadas por todas as pessoas razoáveis”.

Detalhe: a Aliança LGB acabou de ganhar na justiça o direito de continuar a ser considerada uma organização beneficente. Quem queria cassar essa designação eram organizações voltadas para pessoas trans.

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Lésbicas e trans entrando em choque já são um clássico. Um dos desdobramentos mais inacreditáveis disso está nas denúncias de que autodesignadas mulheres trans que continuam a ser dotadas de seus genitais masculinos pressionam jovens lésbicas para que tenham relacionamento sexual com elas, sob risco de serem denunciadas como transfóbicas. O fato de que mulheres lésbicas não gostem do equipamento do outro sexo, e talvez por isso mesmo prefiram outras mulheres, é não só solenemente ignorado como considerado preconceituoso. A loucura chegou a esse nível.

E tem mais: a venerada universidade John Hopkins, templo da medicina avançada, passou a borracha na palavra “mulheres” e definiu lésbica como “um não-homem que sentem atração por não-homens”. Que tal?

Outro conhecido confronto, o de mulheres trans contra feministas chamadas de radicais transfóbicas (Terfs) por defenderem a exclusividade de espaços femininos como abrigos para vítimas de violência doméstica, ganhou um capítulo extra: uma pessoa que se identifica como Sarah Jane Baker, condenada a trinta anos de cadeia na sua encarnação masculina por tortura e tentativas de homicídio, apareceu na parada trans de Londres, recém-saída da cadeia, e discursou incentivando os presentes a “dar um soco na cara” das Terfs. Ou seja, um homem biológico com um prontuário de violência extrema promove publicamente agressões físicas contra mulheres. A pessoa, chamada Alan em sua identidade anterior, foi detida pela polícia por incitação à violência.

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A ideia de que pessoas trans eram discriminadas e rejeitadas é coisa do passado nos ambientes modernos — embora, obviamente, muitos preconceitos persistam e tenham consequências abomináveis. Ser não binário, a expressão alternativa a não heterossexual, virou uma moda tão grande que, numa pesquisa recente, nada menos que 39% dos estudantes de uma das melhores universidades dos Estados Unidos, a Brown, se enquadraram na categoria.

Se quase 40% se declaram não-binários, não é mais uma minoria — embora haja especialistas que notam uma diferença entre dizer que não é heterossexual, talvez para não parecer retrógrado ou fora de moda, e realmente ter práticas sexuais equivalentes.

Não é um modismo sem consequências. Pressões nas redes sociais são consideradas o principal fator para o aumento desproporcional de meninas e adolescentes que passam a se declarar meninos. A decisão pode levar a tratamentos mutilantes, incluindo o uso maciço de hormônios e até mastectomias precoces. Meninas são consideradas mais suscetíveis a essas pressões, pela necessidade de aceitação pelo grupo, o que talvez explique também porque são mulheres biológicas as que mais fazem a “destransição”, o caminho de volta ao gênero original depois que a mudança provoca arrependimento e aumenta problemas psicológicos profundos.

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Além de seguir instruções sobre como mudar o modo de se vestir, cortar o cabelo e se comportar, há orientações específicas. Um dos modismos do momento é dizer às meninas como “anunciar” a mudança de gênero à família, com um bolo de massa azul e cobertura cor de rosa e um bilhete dizendo “Papai e mamãe, vocês achavam que tinham uma filha, mas na verdade têm um filho”.

Atender aquelas pessoas que realmente sofrem de dismorfia de gênero e proteger as que são induzidas pela pressão social a fazer algo de que podem se arrepender no futuro exige um enorme e complexo esforço. O governo britânico, por exemplo, está divulgando novas orientações às escolas inglesas para incentivar professores a sugerir um período de reflexão aos jovens que surgem de repente com um novo nome e uma nova identidade — e não incentivá-los a fazer isso escondido dos pais, como acontece atualmente.

Não existem, obviamente, soluções mágicas: meninas mais sensíveis a pressões continuarão a ser incentivadas a “mudar de gênero”, um processo que as torna mais aceitas e populares entre as colegas dominantes, e jovens em geral que se sentem confusos sobre sua identidade podem achar que a transição é a resposta para suas dúvidas.

Rik que virou Rikkie, a Miss Holanda, começou a tomar bloqueadores de puberdade aos 12 anos e hormônios femininos aos 16. Fez a cirurgia em 2022 para se tornar “100% mulher” — o que, obviamente, é impossível —, mas está feliz, ganhou um título para comemorar e tem todo direito a viver como achar melhor. Conta que sofreu muito bullying na escola e chorava todos os dias. Esse tipo de tormento é cruel e deve ser combatido com todas as forças pelas pessoas decentes.

Colocar estupradores em prisões femininas ou esportistas com corpos masculinos em competições para elas, propor que mulheres sejam esmurradas, qualificá-las de “não-homens” e chamar seus genitais de “buraco da frente” não só não é a maneira certa de fazer isso como cria injustiças e perseguições em nome do combate a elas.

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