O que Lula da Silva e Donald Trump têm em comum? Ambos acham que podem acabar com a guerra na Ucrânia. O personalismo é mais forte ainda em Trump, que imagina uma solução feliz em 24 horas.
A realidade é bem diferente das pretensões movidas a narcisismo. Embora diga que só não está negociando um acordo porque “o Ocidente não quer”, a Rússia prepara uma grande ofensiva, coincidindo, presumidamente, com o primeiro aniversário de uma guerra em que tanta coisa deu errado para os agressores.
Moscou calcula que pode tomar Kiev e ganhar a grande vitória que lhe permitiria negociar de uma posição de força, levando como prêmio os territórios expandidos que conquistou – uma hipótese inominável, pois premiaria o uso da força nas relações entre os estados e a agressão como instrumento de conquista.
A Ucrânia aposta no exato oposto: tem que resistir e esperar, não por uma saída negociada, mas por uma resistência suficientemente robusta a ponto de enfraquecer a Rússia por dentro – forçando a igualmente inominável dissolução do maior país do mundo.
Em resumo: os dois lados estão no que Gideon Rose, autor de Como as Guerras Terminam, classifica como a segunda das três fases de qualquer conflito, aquela em que as partes envolvidas ainda acham que podem alcançar conquistas no campo de batalha.
Ou seja, ainda estão longe da fase final, quando um dos lados tem uma vitória irretorquível, como a das forças aliadas em 1918 e 1945, ou ambos admitem uma solução negociada, como fizeram Egito e Israel em 1973.
A guerra radicalizou os dois lados. A Rússia insinua reiteradamente soluções nucleares. Vladimir Putin comemorou ontem os 80 anos da derrota alemã em Stalingrado falando, com o surrealismo habitual, que forças nazistas ameaçam de novo a mãe pátria. “Nós não mandamos tanques para as fronteiras deles, mas temos modos de responder, e não vão terminar com o uso de carros blindados, todos devem entender isso”, ameaçou.
A Ucrânia diz que só aceita negociar depois que todas as forças russas se retirarem dos territórios internacionalmente reconhecidos como seus, inclusive a Crimeia, onde a maioria da população hoje é russa.
“A tragédia dessa guerra é que não existe solução equânime ou justa”, resumiu Owen Matthews na Spectator. Ele também analisa que qualquer perda de territórios anexados seria simplesmente fatal para o regime de Putin. “Uma Rússia acuada, colapsada, com armas nucleares, criaria o risco do cenário de Juízo Final que é exatamente o que os Estados Unidos tanto querem evitar”, diz.
Analistas ucranianos e de outros países da Europa do Leste que se sentem diretamente ameaçados pelo neoimperialismo russo argumentam o contrário: só o colapso do maior país do mundo pode criar condições de segurança permanente para a região. Traçam até cenários nos quais a Rússia voltaria a ser propriamente russa, com o centro em Moscou e territórios circundantes. São Petersburgo voltaria a ficar bem próxima da Finlândia, que ganharia de volta a fatia que foi obrigada a ceder. As repúblicas do Cáucaso se tornariam independentes, uma parte da Sibéria cairia no domínio chinês e outras reverteriam às minorias étnicas.
“Vários líderes ocidentais têm demonstrado receio de uma vitória ucraniana – perspectiva que têm dificuldade até em enunciar”, escreveu Kristi Raik, especialista de um centro de estudos de política internacional da Estônia. “Qualquer análise da história dos impérios demonstra que só uma vitória irretorquível pode mudar o modo de pensar russo”.
“Eventualmente, uma Ucrânia livre e democrática, segura em suas fronteiras e totalmente integrada à comunidade transatlântica, será a melhor oportunidade para uma profunda transformação dentro da Rússia. É esse resultado que abriria uma era verdadeiramente pacífica e pós-imperial nas relações da Rússia com seus vizinhos”.
O ex-ministro das Relações Exteriores ucraniano Volodimir Ohrizko é mais direto: “Não vejo, como cenário futuro, uma Rússia como realidade geopolítica tal como existe agora. E esta é uma realidade para a qual deveríamos nos preparar desde já”.
A visão de países que foram dominados, ocupados e brutalmente reprimidos pela Rússia ao longo da história com certeza parte de uma perspectiva única e a hipótese de uma fragmentação do grande império que abrange onze fusos horários continua a assustar muitos observadores.
Continua também a ser um instrumento que Moscou manipula habilmente para plantar na cabeça dos adversários a versão de que uma derrota seria pior ainda do que uma vitória.
Não existe solução mágica, por mais que Donald Trump e Lula da Silva acreditem em seus dons prodigiosos.