Como nos acostumamos a associar monarquia à realeza britânica, que constantemente aparece em público para todo tipo de compromisso e vive dramas familiares estampados nos tabloides, o comportamento do rei do Marrocos, Mohammed VI, parece estranho.
Ele chega a passar 200 dias por ano fora do país, ninguém fala uma palavra sobre o fim do casamento com a linda princesa – ou ex-princesa – Salma e é tabu qualquer referência à profunda amizade que estabeleceu com um lutador de kickbox, Abubakir Abu Azaitar, alemão de origem marroquina, e seus dois irmãos.
Teimosamente, o rei rejeitou toda a ajuda mobilizada pela França para resgatar vítimas no terremoto de 6,8 pontos com epicentro próximo da turística Marrakech. Nos vilarejos mais afastados, alguns totalmente destruídos, a população passou dias sem qualquer tipo de ajuda, tentando retirar corpos dos escombros. No que Sseu”orgulho” ajudou a população?
O Marrocos foi colônia – “protetorado” – da França, mas o entrevero atual decorre da aproximação com a Argélia promovida pelo presidente Emmanuel Macron. Os dois países do norte da África estão de relações rompidas desde 2021.
Geopoliticamente, o Marrocos faz um jogo de equilíbrio: é um aliado ocidental que tem todo interesse em combater o fundamentalismo islâmico, inimigo das monarquias de países muçulmanos consideradas traidoras, mesmo que seja uma que remonte ao século VIII e reivindique uma linha direta com o neto do profeta Maomé, Hassan Ibn Ali. Por causa disso, é chamada de monarquia alauíta. O seu titular ainda tem o antigo título de comandante dos fiéis, ou seja, é a máxima autoridade religiosa.
Esta conexão evoca uma fervorosa devoção popular pela figura do monarca, mesmo que seja um rei relutante e pouco presente como Mohammed VI, que demorou até para visitar feridos no terremoto e doar sangue, apesar da enormidade da tragédia.
No Marrocos, é proibido por lei fazer qualquer crítica ao monarca. Mohammed nunca deu uma entrevista coletiva e fala em pouquíssimas ocasiões. Sobre o que quer, naturalmente. Nem uma palavra sobre Lala Salma, a especialista em ciências da computação de exuberante cabeleira ruiva que pareceu representar uma certa modernização da monarquia, mais ou menos ao estilo de Rania da Jordânia. Em algumas ocasiões cerimoniais, ela chegou a representar o país e o marido, que raramente aparece em público. Tendo cumprido a obrigação de dar dois filhos ao rei, o herdeiro Hassan e a princesa Khadija, Salma também sumiu do mapa. Até seu perfil foi apagado do site da Casa Real.
Mas o povo fala, como em todos os outros lugares do mundo. E tem curiosidade sobre o estranho relacionamento com os três irmãos Azaitar, que chegaram a dominar o acesso ao monarca.
Nas cerimônias oficiais, Mohammed sempre tem expressão fechada e um ar sério, principalmente quando usando o tradicional traje das ocasiões religiosas, djelabba, ou túnica masculina até os pés, e capuz.
Numa das raras fotos em que aparece sorrindo, descontraído, está ao lado de Abu Azaitar, sentado num sofá. O lutador, com passagens pela polícia alemã, usa uma camiseta sem mangas mostrando os braços musculosos. Quando se refere a Mohammed no Instagram, usa expressões descontraídas como “nosso querido rei”. Não é difícil concluir qual o tipo de boato essa proximidade evoca.
“Parece que as pessoas do entorno do rei estão muito infelizes com o tempo que ele passa com os Azaitar, o poder que confere a eles, a forma como eles se comportam e a imagem que isso cria do rei e do país”, disse ao New York Times o economista Fouad Abdelmoummi, escolhendo cautelosamente as palavras. O economista criticou a lentidão das instituições governamentais para ajudar as vítimas do terremoto.
O Marrocos é um país pobre, com apenas 3,7 mil dólares de renda per capita – daí, a emigração em massa para a França ou a Alemanha. É nesses países que alguns se radicalizam, abraçando o fundamentalismo terrorista.
O rei é o homem mais rico do país, com fortuna calculada em cinco bilhões de dólares. Sabe explorar a importância que tem para os Estados Unidos e deu um passo importante ao reconhecer Israel, em 2020. Tudo isso o torna mais vulnerável aos radicais e faz a extrema proximidade com os irmãos Azaitar ser um assunto de interesse político.
Obviamente, para todo mundo, menos para Mohammed VI.