Derrubar a predominância dos Estados Unidos e fazer papel de terceiro violino na banda do sul global, dominada pela China e, por causa do poderio nuclear, a Rússia. Essa é a política externa do atual governo brasileiro, muito mal disfarçada por discursos sobre “coragem para mudar” e outras platitudes perante a Assembleia-Geral da ONU.
Por trás das frases de pouco efeito, estão declarações como as feitas na semana passada por Anton Kobiakov, assessor especial de Vladimir Putin, em reunião com o embaixador Rodrigo Baena Soares. O Brasil “é um dos mais importantes parceiros estratégicos” da Rússia na América Latina e os dois países têm uma visão semelhante sobre “a construção de uma nova ordem multipolar”.
Tradução: eliminar os valores ocidentais e elevar ao poder planetário a turma que execra a democracia e fundamentos da ordem mundial como a autonomia dos povos – o que pode ser mais contra a livre determinação do que a invasão de um país vizinho, como a Rússia fez com a Ucrânia, para dobrá-la a seus desígnios?
“Toda as guerras terminam, de uma forma ou de outra, com a paz. Mas para nós não existe nenhuma outra opção que não seja conseguir os objetivos declarados”, assim o porta-voz oficial Dimitri Peskov respondeu a declarações de Volodymyr Zelensky sobre uma possibilidade próxima de fim da invasão da Ucrânia.
Precisa desenhar para ser mais claro?
AMEAÇA NUCLEAR
O fato é que a Rússia domina 20% do território da Ucrânia, já os anexou oficialmente e não quer nenhuma negociação. Por uma combinação de visão imperial do país e obsessão com a ideia de ter um vizinho como a Ucrânia integrado às estruturas da aliança ocidental, Putin só vai parar quando conseguir tudo o que planejou. O maior país do mundo quer arrancar um naco da Ucrânia, 28 vezes menor. Absolutamente não precisa desse território, por nenhum pretexto, muito menos por “rivalidades estratégicas”, segundo insinuações feitas pelo presidente Lula da Silva na ONU.
A Rússia tem uma enorme tolerância para perdas. Já sofreu, segundo cálculos mais confiáveis, um mínimo de 70 mil mortes, um número absolutamente absurdo, mas que não abala o apoio da opinião pública à guerra – embora Putin nem precise disso, tendo instalado um regime em que sua vontade prevalece sobre tudo. Com o povo apoiando, fica melhor ainda.
Uma das táticas da propaganda russa que mais abalam as pessoas visadas – europeus e americanos comuns – é propalar que o apoio dos Estados Unidos e da Europa à Ucrânia vai acabar levando o mundo a uma guerra nuclear.
É uma tática absolutamente repugnante pelo uso irresponsável e até terrorista da ameaça nuclear. Só a Coreia do Norte faz algo semelhante, embora seja um anão atômico quando comparada às 5,6 mil ogivas nucleares da Rússia.
Na terça-feira, um canal do Telegram chamado Tsargrad, um dos múltiplos braços da propaganda russa, divulgou um vídeo narrado em inglês simulando o que seria a explosão de um artefato nuclear em Londres. Isso mesmo: agora as ameaças são explícitas e seguidas até de imagens.
“Na simulação, usamos uma ogiva com capacidade de 750 quilotons. É uma carga bem poderosa”, diz o vídeo, em inglês.
EPICENTRO NO PARLAMENTO
“Ao ser detonada, uma bola de fogo quente como o sol se expande, atingindo um raio de 950 metros. Tudo nesse raio é imediatamente pulverizado. Na nossa simulação, usamos Westminster como epicentro”, prossegue a narração, referindo-se à sede do Parlamento, como se fosse uma coisa normal simular a destruição do centro da democracia britânica. “As pessoas nesse raio nem sentirão nada porque os impulsos nervosos são mais lentos”.
“Devido à densidade populacional do centro de Londres, o número inicial de mortos poderá passar de 250 mil pessoas e 600 mil feridos num raio de dez quilômetros. Nesse raio, tudo o que for inflamável pegará fogo e a radiação causará queimaduras de terceiro grau”.
“Segundo diversas estimativas, mais 450 mil pessoas morrerão por queimaduras, destroços ou doença da radiação”.
No total, “o número estimado de baixas causadas pela explosão de um artefato de 750 quilotons em Londres seria de 850 mil mortos e cerca de dois milhões de feridos”. Ah sim, os feridos não teriam atendimento porque quase todos os hospitais estariam no raio da destruição e os restantes não teriam condições de lidar com uma hecatombe dessas proporções.
O objetivo das terríveis ameaças é intimidar o governo britânico a não autorizar o uso de mísseis que fornece à Ucrânia contra objetivos em território russo.
MORTE COMO “MÁRTIRES”
Só falar em ataque nuclear, como instrumento de intimidação, já é um crime. O próprio Putin já disse que se, em retaliação, a Rússia também fosse atacada, “morreríamos como mártires e iríamos para o céu”. Isso foi em 2018, quando Putin ainda afirmava que a Rússia nunca seria a primeira a desfechar um ataque nuclear. Agora, essa doutrina está sendo “repensada”.
Putin é um ator altamente racional e sabe que o mundo pode cair se fizer um ataque nuclear tático contra a Ucrânia, embora tenha ficado cego pela obsessão com o país. Sua turma fala com a maior naturalidade em “simulações” de ataques nucleares.
É desse tipo de líder que queremos ser aliados estratégicos? E ainda por cima numa posição de inferioridade que daria saudades do velho imperialismo americano?
Os pensadores da nossa política externa, obcecados pelo antiamericanismo infantil, acham que esse é o momento adequado para derrubar a predominância dos Estados Unidos – e, com ele, o dólar como moeda de troca. Dizem que é, para repetir o clichê, uma política “altiva e ativa”. A Venezuela de Nicolás Maduro já provocou que é submissa e cativa de óculos ideológicos. A proximidade com Rússia de Vladimir Putin indica quase que um impulso tanatológico.
Somos um país com economia grande, comércio internacional baixo e influência diplomática quase nula. Não é com discursos vazios e alianças espúrias, contrárias aos valores da grande maioria dos brasileiros, que mudaremos isso.