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Príncipe Harry agiu certo ao prestar depoimento? Resultado em aberto

Uma coisa é enumerar reportagens constrangedoras, como as que contestavam sua paternidade, outra é provar que foram obtidas ilegalmente

Por Vilma Gryzinski 7 jun 2023, 07h24

Harry sofreu, disso não há a menor dúvida. Na declaração de 55 páginas que apresentou antes de ser questionado pelo advogado do grupo de mídia que ele processa, o Mirror Group Newspapers, talvez o trecho mais pungente seja sobre como passou a adolescência constrangido pelas “inúmeras” reportagens que atribuíam sua paternidade ao major James Hewitt. 

Só soube aos 18 anos que a princesa Diana havia conhecido o militar ruivo e bonitão — além de incrivelmente parecido com Harry — depois do nascimento do filho caçula.

Diana teve um caso com cinco anos de duração com Hewitt, que era instrutor de equitação dos filhos. “Todo mundo” sabia disso — mas é claro que um adolescente que ficou órfão aos doze anos só pode ter sofrido muito com a história. 

Ainda por cima, diz, acreditava que a publicação das reportagens sobre sua paternidade poderia ter por objetivo deslegitimá-lo e “colocar dúvidas na cabeça do público de forma a que eu fosse proscrito da família real”. Curiosamente, foi o próprio Harry, em combinação com a mulher, Meghan, quem tomou a iniciativa de largar tudo no reino onde seu pai agora e rei e ir morar nos Estados Unidos.

Outra queixa: na condição de “estepe”, o segundo filho na linha de sucessão ao trono, foi estereotipado como “tapado”, “trapaceador”, “menor beberrão” e “usuário irresponsável de drogas”. O príncipe não foi exatamente um aluno brilhante, bebia precocemente e falou extensamente sobre o uso de drogas em sua autobiografia. Mas, de novo, ficou marcado pelos adjetivos pesados — aliás, deu a entender que começou a agir das maneiras descritas por causa das reportagens, uma alegação algo exagerada.

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Ocorre que Harry está envolvido num processo judicial onde, mesmo que seus sentimentos sejam levados em conta, precisa provar que os tabloides acusados efetivamente fizeram escuta clandestina em telefones dele, do pai, da namorada da época e de amigos.

É aí que entra a figura conhecida como advogado de defesa — no caso, Andrew Green, descrito como “uma fera” que não se intimida com nada. Green teve que moderar os instintos assassinos para não parecer que tripudiava sobre o príncipe. Mas contestou rigorosamente a origem das reportagens que o príncipe apresentou — 33, ao todo — como exemplos de casos que só poderiam ter sido obtidos através de escuta clandestina.

Algumas, argumentou o advogado, tinham sido baseadas em artigos de outras publicações ou feitos por uma agência de respeito, a Press Association. Outras, segundo palavras do próprio Harry na sua autobiografia, foram baseadas em fontes da assessoria do pai dele, Charles. Entre elas, a que fala como o pai havia ficado “doente de preocupação” quando soube, pelos tabloides, que Harry tinha tomado drogas pesadas.

Green mostrou que a informação havia aparecido antes em outras publicações e Harry se esquivou: “Acho que não cabe a mim desconstruir os artigos”.

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Na verdade, cabe sim. Se ele está processando uma empresa jornalística, precisa apresentar evidências de que houve uso de métodos ilegais — aliás, como já aconteceu antes na complicada história dos tabloides britânicos, levando ao fechamento do News of the World, o mais abusador deles.

Vários especialistas em relações públicas discutiram se foi uma boa escolha de Harry se sentar no banco das testemunhas e ser questionado de uma forma que nunca tinha enfrentado antes, acostumado apenas às mornas entrevistas que dá a jornalistas amigos. Outra ironia para alguém que considera que foi vítima de uma perseguição “atroz” e que sua “missão de vida” é mudar o comportamento da imprensa: ele fala com jornalistas quando acha que é bom para seu lado, exatamente como fazia sua mãe.

O único precedente de um testemunho explosivo por parte de um membro da realeza foi em 1871, quando o filho e herdeiro da rainha Vitória, o futuro rei Edward VII, se apresentou à justiça num caso de adultério.

Aliás, muito mais explosivo do que a história de Harry. Conhecido como “Dirty Bertie” pelas infidelidades conjugais, o príncipe herdeiro foi convocado para dizer se havia tido um caso com Harriet Mordaunt, uma beldade que tinha apenas 17 anos quando começou a frequentar a corte. 

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A própria Harriet havia revelado ao marido, Charles Mordaunt, o caso com o então príncipe de Gales e outros homens. O marido traído entrou com um processo de divórcio, mas o pai de Harriet alegou que ela estava louca, o príncipe negou tudo e Harriet acabou internada até o fim da vida — 33 anos depois — numa clínica para doentes mentais, um sofrimento terrível e simbólico do papel inferior das mulheres na época.

Mordaunt tinha bons motivos para desconfiar da mulher: ao voltar antes do previsto de uma viagem para pescar salmão na Noruega, encontrou o príncipe Bertie na escada da entrada de seu castelo, olhando deliciado enquanto Harriet passeava numa carruagem puxada por dois cavalos que havia dado de presente a ela.

O marido mandou príncipe embora e ordenou aos criados que trouxessem os cavalos até o jardim. Matou-os a tiros na frente da esposa.

Apesar da cena brutal, ele só abriu o processo de divórcio muitos meses depois, quando Harriet teve uma filhinha com um problema nos olhos. Mordaunt achou que era consequência de sífilis contraída do príncipe e Harriet acabou confessando o caso com o herdeiro do trono e mais dois outros homens.

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Diana não enfrentou nada disso. Aparentemente, Charles até achava bom que ela estivesse envolvida com o major Hewitt, liberando-o para o relacionamento assumido com a mulher que realmente amava, hoje a rainha consorte Camilla.

Como o público não vai se interessar por histórias assim? Como membros da família real podem esperar dispor de todos os privilégios de berço de que desfrutam e levar a vida privada da forma que bem entenderem? Como estabelecer até onde a imprensa pode ir — com exclusão, óbvia, dos métodos ilegais?

O caso de Harry contra o grupo que publica o Daily Mirror, o Sunday Mirror e o Sunday People é interessante por envolver essas grandes questões e talvez tenha um resultado surpreendente. 

Mas não vai dar todas as respostas — inclusive porque os maiores abusos já foram eliminados. Um dos motivos foi a morte trágica de Diana, cercada por paparazzi, conduzida por um motorista bêbado e mal orientada pelo namorado, Dodi Fayed, que queria mostrar como despistava os fotógrafos. O fechamento do News of the World, por decisão do dono, Rupert Murdoch, devido a atrocidades como acessar a caixa postal de uma menina de 13 anos vítima de assassinato, foi outro marco na história da autorregulamentação dos tabloides.

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Insensatamente, Harry usou seu depoimento para criticar “o estado de nossa imprensa e de nosso governo — ambos, acredito, no fundo do poço”.

Uma das cláusulas pétreas para os membros da família real é que não interfiram em questões políticas em quaisquer circunstâncias. Harry, obviamente, acha que pode falar o que quiser, sem dar satisfações. Quando se envolve num processo judicial de grande repercussão, é claro que passa a ser objeto de filtros redobrados em todas as áreas.

Por exemplo, perguntam agora os que não simpatizam com ele, como preencheu o formulário com o pedido para ir morar nos Estados Unidos? Como respondeu a pergunta específica sobre uso de drogas, abundantemente referido na sua autobiografia e em entrevistas promocionais? 

E como, aos 38 anos, ainda não entendeu exatamente como o mundo funciona? 

“É mais difícil do que conversar com a Oprah”, comentou a especialista em assuntos da realeza Camilla Tominey sobre as perguntas ferinas do advogado de defesa, num processo que vai continuar hoje.

“Não faço ideia de como esse artigo ou elementos desse artigo apareceram num jornal — você teria que perguntar ao jornalista”, respondeu Harry a vários questionamentos.

De forma geral, não é assim que se ganha um processo.

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