Ela é baixinha, já foi gordinha e, maquiada, tem olhos de boneca. Não parece ameaçadora. Tendo saído de praticamente zero votos para uma vitória eleitoral que a transformará em primeira-ministra, Giorgia Meloni virou uma estrela da política italiana profundamente abominada por todo o espectro que vai do centro à esquerda.
Nesse processo, ela conduziu com disciplina que os adversários obviamente subestimaram uma autotransformação: quer ser considerada de centro-direita, “como os tories na Inglaterra”, compara. Condena a Rússia e apoia o envio de armas à Ucrânia. Como Marine Le Pen, nas condições específicas da França, fez um esforço tremendo para se desligar das origens neofascistas de seu partido, Irmãos da Itália, mas sem deixar o pessoal que ainda reza nesse altar decepcionado.
O fascismo deve ser consignado aos livros de história e seu partido “condena inequivocamente a supressão da democracia e as abomináveis leis antijudaicas” da época, já repetiu umas mil vezes.
Para os 26% que votaram nela, funcionou. Com seus aliados, Matteo Salvini e Silvio Berlusconi, a direita teve 44% dos votos e deverá formar o governo pelo complexo sistema italiano. Não diminuirão as advertências de que Meloni é “um perigo para a Europa”, como primeira líder da direita nacionalista que comandará um país importante da parte ocidental do continente.
Toda discussão a respeito dela acaba relegando a questão fulcral que a turbinou: a migração em massa procedente de países africanos. Hoje, existem mais de seis milhões de pessoas residentes na Itália que vieram de outros países, equivalente a 10% da população.
O que fazer com toda essa gente? Como encaixá-la num estado avançado de bem-estar social, com extensos – e evidentemente caros – benefícios para todos? Como assimilá-los de forma a que não se transformem em enclaves culturalmente isolados do resto da sociedade?
Os italianos que votaram na direita talvez estejam menos preocupados com a origem mussoliniana do slogan “Deus, pátria e família”, adotado por Giorgia Meloni, e mais interessados em não ter tantos imigrantes espalhados pelas ruas de suas cidades.
Quem se lembrou da eleição de Donald Trump em 2016, totalmente baseada na construção de um muro bem alto na fronteira com o México, acertou. A imigração em massa e descontrolada incomoda uma fatia importante do eleitorado até em países como a Suécia, uma pioneira na abertura de fronteiras aos necessitados, onde o partido Democratas Suecos, da direita nacionalista, teve 20% dos votos na eleição de meados do mês. O governo de centro-esquerda teve que renunciar. Num paralelo com os Irmãos da Itália, o partido sueco tem origens neonazistas.
Roberto Saviano, o autor de Gomorra que precisou viver sob proteção policial por ameaças mafiosas, escreveu no Guardian um artigo com críticas enormes a Giorgia Meloni. Talvez inadvertidamente, o escritor reconheceu que os discursos dela “manipulam a necessidade de identidade, o medo muito humano de ser marginalizado ou não ser reconhecido” – todos fatores que contribuíram para a escolha de políticos da direita nacionalista por eleitores não assimilados pelo pensamento predominante nas elites.
Isso ajuda a entender como é possível ter, na Itália de hoje, uma política que condena o casamento homossexual e é contra o aborto, causas que pareciam há muito absorvidas pela sociedade.
“A extrema-direita pode ser bem sucedida na Itália porque a esquerda fracassou, exatamente como em muitas outras parte do mundo, em oferecer visões ou estratégias dignas de crédito”, escreveu Saviano.
“A esquerda pede que as pessoas votem contra a direita, mas não tem uma visão política ou uma alternativa econômica. A esquerda soa elitista em seu modo de comunicação, enquanto a direita encontrou um discurso hipersimplificado: palavras-chave, slogans, conceitos reduzidos ao mais básico, especialmente sobre imigrantes, de cuja violência e terrorismo os italianos aparentemente precisam ser salvos”.
É uma boa análise, apesar das lentes ideológicas.
Tornar-se, aos 45 anos, a primeira mulher a chefiar um governo na Itália não pode, obviamente, ser atribuído apenas aos erros do adversário. Giorgia Meloni “é uma estrela do rock”, elogiou Steve Bannon, o ex-aliado de Trump que passou uma temporada na Europa tentando organizar e dar sustentação ideológica ao que chamou de Movimento, da direita populista ou nativista.
Também é atrevida: postou no TikTok um vídeo segurando dois melões na altura dos seios, numa brincadeira com o próprio sobrenome, e uma frase: “25 de setembro. Disse tudo”. Viralizou.
Aos 15 anos, criada sozinha, com a irmã, pela mãe, Meloni foi bater na porta de um movimento jovem ligado ao neofascismo, movida, segundo diz, por sentimentos patrióticos. Morava em Garbatella, um bairro popular de Roma que sempre votou maciçamente na esquerda. Quando exagera na intensidade do discurso, explica: “É que eu sou de Garbatella”. Vários amigos dessa época a acompanharam na inesperada ascensão do que viria a ser seu próprio partido, com nome tirado das primeiras palavras do hino nacional (“Irmãos da Itália, a Itália despertou”).
Agora ela vai ter a oportunidade de mostrar se realmente tem a densidade necessária para conduzir o governo num momento de apertos, pelos conhecidos motivos reinantes em tantos outros países.
Para muitos especialistas, trocar Mario Draghi, o perito em todas as artes da economia e adorado primeiro-ministro forçado a renunciar, por Giorgia Meloni é como colocar um condutor de carrinho de mão no lugar de um piloto de caça.
Ela vai precisar de ter mais do que o estilo agressivo do pessoal de Garbatella.
“Este é o momento da responsabilidade”, disse depois da vitória. E como.