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Por que Gaza tem cerca que a faz ser chamada de ‘prisão a céu aberto’?

Sofrimento da população é resultado de triste realidade: sem cerca, havia atentados terroristas constantes, quando ela caiu, vimos o resultado

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 10 Maio 2024, 08h33 - Publicado em 18 out 2023, 08h24

Atenção, descrições chocantes: mulheres mortas sob tortura encontradas sem roupas, um adulto e uma criança tão calcinados que só a tomografia mostrou que eram pessoas separadas, um homem ainda vivo, com graves ferimentos, decapitado a golpes de enxada, corpos sem braços nem pés, vinte crianças separadas em duas pilhas, fuziladas e queimadas. E, sim, bebês degolados. Estas são algumas das cenas vistas por socorristas e legistas em parte das 1 300 vítimas mortas pelo Hamas quando conseguiu derrubar trechos da cerca high tech que isolava Gaza do território israelense. Alguns dos casos foram filmados em vídeos.

É horrível reproduzi-los, mas necessário para dar uma ideia do que foi o ataque de 7 de outubro, que se prolongou por muitas horas e até dias, com tempo suficiente para torturas e suplícios difíceis de reproduzir — tão hediondos que um conhecido legista israelense, com mais de trinta anos de experiência, chorou ao descrever alguns casos. É importante lembrar esses fatos num momento em que a terrível explosão num hospital em Gaza, aparentemente causada por um míssil defeituoso dos próprios combatentes palestinos, obscurece tudo o mais.

”Tudo o mais” aconteceu porque a cerca foi infiltrada em vários pontos, numa falha gravíssima de segurança que será submetida a inquéritos e comissões parlamentares quando o estado de guerra passar.

Mas por que a cerca existia, em primeiro lugar? Com apenas poucos pontos de passagem, incluindo uma que dá para Israel, por onde passavam trabalhadores que iam prestar serviço em território israelense ou pessoas com sérios motivos familiares ou de saúde; um outro na fronteira com o Egito, por onde não passa basicamente ninguém, fora, eventualmente, figurões do Hamas autorizados por todos os envolvidos, quando há negociações de trégua — nada próximas hoje.

Israel desocupou em 2005 a Faixa de Gaza, que era um território estreito e comprido — daí seu nome — administrado pelo Egito e tomado na guerra de 1967. Gaza ficou sob controle da Autoridade Palestina, mas o Hamas foi progressivamente tomando conta. Eram terroristas do Hamas ou da Jihad Islâmica, o outro grupo fundamentalista em atividade no território, que desencadearam uma onda de homens-bomba a partir de 1989, muitas vezes contra ônibus cheios, mas também contra cafés e restaurantes.

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O mais letal foi contra a discoteca Dolpinharium, com 21 vítimas. Uma recriação desse atentado aparece na série Fauda, candidata a melhor de todos os tempos, cheia de camadas de complexidade, personagens hipnotizantes e guinadas de roteiro. Lioz Raz, o espetacular ator principal e um dos autores da série, foi com seu grupo de reservistas mais à esquerda, chamado Irmãos em Armas, ajudar sobreviventes do 7 de outubro. O grupo participou de protestos contra a reforma do judiciário promovida por Benjamin Netanyahu, incluindo a recusa em prestar serviço nas forças de reserva, mas tudo isso acabou agora, pelo menos momentaneamente.

A cerca de Gaza e o muro em torno de áreas de Cisjordânia acabaram com os atentados a bomba. Seria muito melhor se não precisassem existir, mas a realidade é que trouxeram mais garantias aos israelenses. Atentados isolados, na maioria a faca, continuaram a existir, mas o pior estava sob controle.

Até que o mundo caiu em 7 de outubro.

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Se a cerca não tivesse sido derrubada em alguns trechos, não haveria a infiltração em massa do Hamas e todas as suas atrocidades e não existiria agora uma guerra declarada, com um potencial de gravíssimos desdobramentos que o presidente Joe Biden, agindo como um estadista desde o início dessa crise, está tentando controlar. Sua visita hoje a Israel teve um tremendo caráter simbólico e também o objetivo tácito de prevenir uma nova ocupação de Gaza.

A realidade é que ninguém sabe o que vai acontecer e como atores alheios ao conflito, mas movidos pela ideologia islamista radical, como Hezbollah e Irã, vão reagir. Por que eles querem se envolver em lugar de cuidar de seus próprios países, com problemas tremendos? Por que essa é a natureza de sua ideologia fundamentalista, sua própria razão de ser.

Alguns analistas acreditam que Israel ainda não havia feito a invasão de Gaza por terra por considerar que era preciso mais tempo para preparar um cenário em que o Hezbollah desfecha um ataque em massa pelo norte. Israel se veria assim com duas frentes de guerra.

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Para avisar o Irã de que seria uma má ideia mandar o Hezbollah atacar, Biden foi a Israel, precedido pelo deslocamento de dois porta-aviões, o maior instrumentos de projeção de poder dos americanos . As circunstâncias pioraram drasticamente com a terrível explosão no hospital de Gaza e a cancelaram a visita à Jordânia, que incluiria o presidente do Egito, Abdel Fatah El-Sissi, e Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina. Note-se que são todos inimigos do Hamas e sua matriz, a Fraternidade Muçulmana, mas foram forçados a reagir pelas circunstâncias trágicas. “Forçados a reagir” é sempre uma situação perigosa nessa região. Muitos erros saem daí.

Não interessa aos Estados Unidos — nem a Israel — uma guerra multifacetada. Os aliados árabes que estavam normalizando relações com Israel, sobretudo a Arábia Saudita, também prefeririam muito mais que a atual conflagração não comprometesse seus planos. Os israelenses não admitem deixar sem uma punição histórica a brutalidade inominável de que foram vítimas. E os habitantes de Gaza continuam sem saída.

“Vocês querem que recebamos um milhão de pessoas? Bom, vamos mandá-las para a Europa. Se se preocupam tanto com direitos humanos, fiquem com elas”, disse uma fonte do governo egípcio ao Sunday Times, ironizando uma Europa assustada com o atentados de fundamentalistas islâmicos como o que matou um professor na França e duas pessoas num jogo de futebol na Bélgica.

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Se a cerca tivesse aguentado, nada disso não estaria acontecendo. É muito lamentável que seja assim, mas a realidade é essa. E a realidade também é que a cerca não foi erguida por capricho ou por maldade “colonialista”, a ridícula palavra ressuscitada como mantra pela estranha associação entre fundamentalismo islâmico e esquerda.

Tão cedo, infelizmente, não vamos ver um cenário sem muros nem cercas.

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