Na hora do perigo, todo mundo esquece questões habitais, como o custo ambiental dos equipamentos de segurança e as campanhas contra o uso de primatas em experiências biomédicas.
Problema: sem macacos, países como a Espanha enfrentam dificuldades para testar seus projetos de vacinas contra o novo coronavírus.
Sem contar que a fila é enorme nos países onde eles são permitidos e o preço explodiu.
“Não existe nenhum centro de segurança biológica na Espanha que tenha macacos e conseguir doze deles implicaria um custo de 500 mil a um milhão de dólares”, informa Mariano Esteban, virologista que chefia um desses projetos.
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Clique e AssinePor esse cálculo, cada animal chegaria até mil dólares, uma hiperinflação provocada, evidentemente, pela quantidade sem precedentes de pesquisas de vacinas e tratamentos para combater a peste.
Pré-coronavírus, um rhesus de laboratório podia custar entre 6.000 e 14.000 dólares. Com fila de espera.
No ano passado, antes da eclosão do novo vírus, pesquisadores americanos que usam “primatas não humanos”, a designação oficial dos macacos, queixaram-se da imposição de sobretaxas à China que incluía os animais de laboratório.
Soube-se assim que, como aconteceria depois com máscaras e outros equipamentos de segurança, 80% dos macacos importados pelos Estados Unidos procedem da China.
“A sobretaxa daria à China uma vantagem competitiva ainda maior, o que incentivaria muitos pesquisadores a ir trabalhar lá e não nos Estados Unidos”, disse na época Matthew Bailey, diretor da Associação Nacional de Pesquisas Biológicas.
Isso aconteceu na época em que os Estados Unidos restringiram as pesquisas com chimpanzés, nossos primos – ou irmãos – mais próximos.
O preço de um animal subiu para 6.000 mil dólares, contra 1.500 dólares na China. Fora o custo em manutenção.
Para uso particular, como animal de estimação, inconcebível pelos padrões atuais, mas permitido em estados americanos, o preço de um chimpanzé bate em 60.000 dólares. O macaco aranha sai por cerca de 6.000 dólares. Saguis, fáceis de ser treinados pela inteligência , ficam entre 1.500 e 2.500 dólares.
Em 2017, o último ano com dados, os Estados Unidos usaram 75.825 macacos rhesus, espécie proveniente da Índia, da China e de países do sudeste asiático.
O uso deles em pesquisas é tão fundamental que o fator RH do fator positivo ou negativo dos tipos de sangue significa rhesus, os primeiros animais que foram estudados.
A proximidade filogenética – fora a perturbadora semelhança física e comportamental com os humanos – dos macacos torna-os insubstituíveis nas pesquisas biomédicas.
Idealmente, os testes in silica, feitos em computador, virão a dispensar o uso eticamente complicado de símios e primatas.
Mas a biologia é uma ciência que não tem nada de “exata”, no sentido de que lida com organismos de alta complexidade, com diferentes reações.
Além de camundongos, ratos, cobaias, hamsters, furões, coelhos, cães, gatos e porcos, os macacos continuam a ser fundamentais nas pesquisas.
Os cientistas que conduzem estes experimentos costumam evocar a potencial cura de doenças terríveis, como as provocadas pelos vírus da Aids, do Ebola e agora da Covid-19, além de pesquisas no campo neurológico, em especial o Alzheimer.
No caso da Covid-19, são inoculados ratos de laboratório, furões e macacos para ter um quadro amplo das reações, uma vez que nenhum deles é exatamente idêntico aos humanos.
Os países sem macacos dependem da cooperação dos que usam os animais para fazer a etapa final de testes, antes dos humanos voluntários.
Entre os europeus, fazem pesquisas com macacos Grã-Bretanha, França, Alemanha, Holanda, Suécia e República Checa. Mais Canadá e Coreia do Sul, fora, claro, Estados Unidos.
Quando são pesquisadas vacinas, o maior problema é ter garantias sólidas de que não serão prejudiciais, mesmo que para uma pequena porcentagem da vasta população imunizada.
Propositalmente, para dar uma margem de segurança aos humanos, os animais são inoculados com cargas virais fortíssimas.
A vacina de Oxford, a que está em estágio mais avançado, foi testada em macacos nos laboratórios de Porton Down, usado para a pesquisa de armas biológicas e químicas na Inglaterra desde a época da I Guerra Mundial.
“Não quero convencer ninguém, é um tema muito complicado”, disse ao El País o veterinário Javier Salguero, que trabalha num laboratório paralelo ao de Porton Down, da agência britânica de saúde pública.
Salguero é especializado em autopsiar animais sacrificados depois de inoculados com os vírus e os antídotos. Ele conta que a fila para testes com macacos é de dois meses.
“Se for explicado que, em alguns testes, foram utilizados de 50 a 100 animais e, assim, salvaram-se as vidas de cinco milhões de crianças, é possível ver um pouco do benefício”.
Isso se a China não controlar o estoque.