“Eu não podia fazer de conta que nada aconteceu”, disse Emmanuel Macron ao reconhecer a enormidade da derrota de sua candidata ao Parlamento Europeu, massacrada por Jordan Bardella, a bem sucedida criação de Marine Le Pen (placar: 31,5% a 14,5%).
O presidente francês tem razão, em termos de honestidade moral, ao convocar eleições nacionais antecipadas. Foi uma surra histórica que equivaleu a uma espécie de plebiscito.
Mas estará ele decretando o próprio fracasso? Se a Reunião Nacional, a direita nacionalista, aproveitar a onda, Macron poderá se ver na condição de presidente de fachada devido ao sistema político misto existente na França, com um presidente e um primeiro-ministro.
Quando os dois são do mesmo partido, nenhum problema – é até conveniente para o presidente ter um executivo substituível, em que jogar a culpa por maus resultados. Macron, por exemplo, já está no quarto primeiro-ministro.
“CRISE INSTITUCIONAL”
Quando são de partidos diferentes, acontece a “coabitação”, a desconfortável situação em que as duas principais figuras políticas do país têm que conviver como um casal em processo permanente de divórcio.
Terá Macron calculado que o partido de Marine Le Pen nunca conseguirá nem maioria nem alianças que lhe permitam ganhar a chefia de governo? Ou terá dado “um salto rumo ao desconhecido cujas consequências são incalculáveis”, na definição do jornal Le Figaro.
Enumerou o jornal, de centro direita: “Na noite do escrutínio europeu, a uma semana do Euro no futebol, a um mês e meio dos Jogos Olímpicos de Paris, ele acrescenta uma crise institucional à crise política aberta pela vitória histórica da Reunião Nacional”.
Alguns analistas acham que Macron é um jogador ousado e resolveu blefar alto: era o partido de Marine Le Pen que pedia as novas eleições, já sabendo da vantagem que teria no pleito europeu. Se não conseguir formar maioria na Assembleia Nacional, ficará desmoralizado.
Essa análise é bem minoritária.
VEXAME HISTÓRICO
A decisão de Macron também prejudica outros importantes governos europeus que se deram mal nas urnas. Na Alemanha, os Social-Democratas do primeiro-ministro Olaf Shultz passaram por outro vexame histórico: ficar no terceiro lugar, atrás da Alternativa Pela Alemanha, da nova direita, que teve 16,5% dos votos. A velha Democracia Cristã, tantas vezes dada por extinta, ficou com 30%.
O espanhol Pedro Sánchez fez a campanha inteira como se os espanhóis tivessem a obrigação de defender sua mulher, Begoña Gómez, acusada de tráfico de influência. Personalizou um problema político em lugar de apresentar argumentos lógicos em defesa dela. Foi superado pelo Partido Popular por uma diferença comparativamente pequena, mas suficiente para que o exemplo de Macron seja invocado.
O PP, liderado pelo nada carismático Alberto Núñez Feijóo, é da direita tradicional e já foi o mais votado na última eleição nacional, mas não conseguiu fazer alianças para poder governar. O resultado de ontem, com o aumento de nove representantes no Parlamento Europeu, impulsionou o grito “Oa, oa, oa, Feijóo na Moncloa”. A referência é à sede do governo espanhol.
Sánchez não tem a menor inclinação a imitar Macron, mas sai bem desgastado de uma eleição em que personalizou o debate em torno de sua figura e da mulher, transformando-a nm plebiscito. Erro de amador.
DESGASTE DO PODER
A influência da eleição para o Parlamento Europeu na política interna de tantos países nunca foi tão grande.
Também é enorme a surpresa de quem não imaginava que a Europa fosse majoritariamente de direita, tradicional ou nacionalista. Como estava difícil explicar, a direita tradicional foi “promovida” a centro.
Emmanuel Macron foi prejudicado por uma confluência de fatores negativos, especialmente a sensação de que os franceses estão ficando mais pobres por causa da perda do poder aquisitivo e mais “invadidos” pela imigração irregular. Existe também o natural desgaste do poder. Sem contar a ascensão de Jordan Bardella, o escolhido por Marine Le Pen para representar a renovação do partido, popular, convincente e sem as sombras do passado de sua protetora.
Convocados às urnas de surpresa, os franceses decidirão em duas etapas, no próximo dia 30 e em 7 de julho, se a aposta – ou blefe – de Macron vai funcionar ou se ele decretou a própria morte política faltando ainda três anos para terminar o segundo mandato.