Lula só fez afagos, mas Alberto Fernández levou uma pancada do papa
Num momento ruim para se lançar candidato à reeleição, presidente argentino põe a culpa nos outros pelo aumento da pobreza
Alberto Fernández tem uma enorme veneração pelo papa Francisco, cujo nome deu ao filhinho que teve com a atual mulher, Fabiola Yanez.
Por isso, foi dupla a dor – e o prejuízo político – sofrida com uma declaração de um papa cada vez menos cuidadoso com as palavras, ao dizer que, no ano de 1955, “ao terminar a escola secundária, o nível de pobreza era de 5%. Hoje está em 52%. O que aconteceu? Má administração, más políticas”.
“A Argentina tem uma inflação impressionante”, acrescentou.
A reação do presidente papista, sem base própria de poder e cada vez mais escorraçado pelos kirchneristas, foi, como várias outras coisas que faz, ridícula.
“Enquanto Perón esteve no governo, a realidade argentina era outra”, disse ele. “Quando os governos ditatoriais começaram a se suceder, sempre regidos pelas lógicas liberais e conservadoras, geraram o que geraram”.
Dá para acreditar que o cara recuou até Perón?
Para não ficar atrás, a porta-voz presidencial disse que o aumento da pobreza “é produto dos quatro anos” de governo de Mauricio Macri.
Uma fonte ligada a Sergio Massa, o ministro da Economia que está montando uma candidatura presidencial, foi mais sincera e reagiu com um palavrão daqueles irreproduzíveis. Com o realismo permitido pelo off, o informante sintetizou o que significa a crítica do papa.
No Infobae, Fernando González disse que “o melhor aliado de Alberto Fernández e Cristina Kirchner no início da gestão” mandou um recado bem claro de que “estava saltando do barco kirchnerista”.
Curiosamente, é provável que o papa argentino de pendor peronista concorde que são políticas “liberais e conservadoras” as culpadas pelo desastre nacional, não o populismo desenfreado, o delírio do estado interventor, as políticas econômicas sem vasos comunicantes com a realidade e outros males que castigam a Argentina.
A pancada do papa pegou Alberto Fernández num momento em que ele achava estar faturando alguns pontinhos para montar uma candidatura com tudo para dar errado. O presidente Lula desdobrou-se em afagos ao amigo argentino que o visitou na prisão e, acima de tudo, não cedeu às exigências de Cristina Kirchner sobre um encontro em hora e local escolhidos por ela.
Carlos Pagni, do La Nación, disse que Lula não quis ser pego, outra vez, no meio da violenta disputa entre Cristina e o presidente que ela elegeu e agora quer descartar. “Em algum momento, imaginou um almoço com o presidente e a vice-presidente. Foi informado que ela não se prestaria a dividir a mesa com quem foi seu apadrinhado e candidato”.
“A intransigência cerimonial da senhora Kirchner é fácil de explicar. Ela vê no presidente um candidato de um bando rival. Entendeu, com razão, que a cúpula da Celac era uma plataforma de lançamento”, elaborou Pagni.
Depois dos breves momentos de glória, em que se relevou até o papel de bobo que fez diante da visita imaginária de Nicolás Maduro, Alberto Fernández teve que se fazer de desentendido diante da bronca papal e jogar a culpa nos outros.
Ter um ministro da Economia que é seu rival na próxima campanha presidencial não ajuda muito: os acertos serão atribuídos a Massa e os erros, inevitavelmente, acabarão na conta de Alberto. Depois de uma estabilização relativa, os infinitos buracos da economia estão novamente aumentando e podem explodir diante da instabilidade política alimentada por uma espécie de loucura coletiva que empurra o presidente e sua ex-madrinha a apostarem num processo de impeachment coletivo contra o Supremo Tribunal argentino.
O papa, que durante a vida foi muito mais Jorge Bergoglio de Buenos Aires do que o bispo de Roma, sabe dessas intrigas muito bem. Segundo Carlos Pagni, ele não perdoa Alberto Fernández por não ter cumprido um trato que manteria a questão do aborto fora da pauta, ao contrário do que aconteceu.
Céus, imaginem só, um político peronista que não cumpre um acordo, até as pedras da Praça de São Pedro devem ter ficado chocadas.
Até a eleição presidencial de 22 de outubro, o efeito Copa inevitavelmente vai passar, a insustentabilidade da economia irá cobrar seu preço (o dólar já foi a 385 pesos) e Cristina Kirchner terá ouvido um bocado de “clamores populares” para desistir da promessa de abandonar a política.
Caso contrário, terá que decidir quem apoia: Massa ou seu protegido Wado de Pedro. Atual ministro do Interior, ele está em surto por não ter sido convidado para uma reunião de Alberto com Lula. A plantação de críticas bate recordes.
Está tudo embolado e nem reza do papa dá jeito.