Lockdowns sem fim: até os obedientes chineses perdem a paciência
Política de Covid zero produz isolamentos contínuos de áreas urbanas que aumentam a exasperação dos cidadãos bloqueados
A China espirra e o resto do mundo fica com febre – e os problemas provocados pelo vírus, de produção paralisada, desabastecimento e consequente aumento de preços, reverberam pelo planeta.
Com um elemento adicional: cidadãos chineses estão começando a reagir com desespero, a ponto de enfrentar os “homens de branco”, policiais e agentes de saúde com macacões de proteção. Estão revoltados com a tática de isolamento de áreas urbanas inteiras caso um único teste de Covid-19 dê positivo. Entre os maiores problemas está o abastecimento de alimentos. Os supermercados esgotam os estoques para entrega em área isoladas e os gêneros que deveriam ser fornecidos por quadros do Partido Comunista demoram a chegar – ou simplesmente não chegam.
Adicionalmente, surgiu um novo foco de protestos, na Foxconn, a maior fábrica do mundo de celulares e outros eletrônicos. A produção do novo iPhone 14 já foi afetada.
O caso envolve trabalhadores atraídos pela promessa de contratos de 3.500 dólares – uma quantia bem alta pelos padrões chineses – por dois meses de trabalho. Deveriam preencher vagas deixadas por trabalhadores que fugiram da fábrica diante da perspectiva de novos isolamentos.
Quando os primeiros contratados chegaram, a empresa disse que teriam que trabalhar mais dois meses, com pagamento reduzido, para receber a quantia originalmente prometida.
“A Foxconn fez ofertas tentadoras de recrutamento e quando trabalhadores de todas as partes do país chegaram, descobriram que estavam sendo feitos de idiotas”, disse ao Guardian um dos candidatos, Li Sanshan.
Vídeos que circularam nas redes sociais mostram trabalhadores revoltados usando extintores de incêndio contra as pancadas da polícia. Numa das cenas, um manifestante é chutado repetidamente, já no chão. Não pega nada bem um iPhone, além do custo exorbitante, envolver espancamento de trabalhadores.
A fábrica é de origem taiwanesa e fica em ZhengZhou, um dos maiores complexos industriais do planeta, onde também foi decretado um novo lockdown, aumentando o clima de tensão.
Pelos números, a política de lockdowns sucessivos, conseguiu um milagre: a China, origem do vírus, teve menos de 300 mil contaminados e 5.200 mortos, contra mais de 100 milhões infectados nos Estados Unidos e 1,1 milhão de mortos (35 milhões e 690 mil, respectivamente, no Brasil).
Em compensação, a proteção natural fornecida pela exposição em massa ao vírus é baixa e o índice de vacinação também.
O aumento de casos, com os consequentes lockdowns fazendo até os obedientes chineses perder a paciência, afeta a projeção do crescimento econômico que impulsiona os países que têm a China no alto da lista de clientes – inclusive o Brasil. Uma dessas projeções diminui de 4,3% para 4% o crescimento do PIB chinês no ano que vem.
Os lockdowns estão acontecendo em diferentes cidades do vasto território do país e são em escala chinesa: afetam atualmente nada menos que um quinto da capacidade produtiva da fábrica do mundo.
Quatro anos depois que o primeiro caso do novo coronavírus surgiu, de forma ainda bem longe de esclarecida, a praga continua a nos atormentar. E o inverno no hemisfério norte ainda nem começou.