O partido do presidente perder eleições regionais ou legislativas no meio do mandato é normal – aconteceu com Barack Obama e com Donald Trump.
Duro mesmo é quando os números são tão negativos como aconteceu no estado de Virginia, onde um azarão republicano, Glenn Youngkin, milionário que já presidiu o maior fundo de investimentos dos Estados Unidos, uma posição essencialmente pouco simpática às massas votantes, virou o jogo.
Há exatamente um ano, Joe Biden derrotou Donald Trump nesse estado, com um belo resultado de 54% dos votos, 10 pontos a mais que o adversário – o melhor, para um candidato democrata, desde ninguém menos do que Franklin Roosevelt, o legendário presidente que ele tenta emular.
Em apenas dez meses, a casa caiu. Hoje, nacionalmente, Biden tem apenas 42% de aprovação (algumas pesquisas dão até menos, 38%). Para piorar, os democratas disputaram o governo estadual com um homem da mais profunda máquina do partido, o ex-governadorTerry McAuliffe, um assessor da copa e cozinha de Bill e Hillary Clinton.
McAuliffe fez tudo conforme o figurino predominante hoje no partido, que deu uma pronunciada guinada para a esquerda. Em seus discurso, de cada dez palavras, uma era Trump. Chegou a dizer que “os pais não devem ter autoridade para determinar” o currículo escolar – uma questão incandescente no momento em que se ergue uma forte onda de rejeição ao ensino, desde o primeiro grau, de princípios da teoria crítica racial, segundo os quais todos os brancos, inclusive crianças, são indelével e irremediavelmente racistas.
Não é preciso ser de direita para se indignar com esse tipo de doutrinação. Pesquisas de opinião mostram que eleitores da Virginia estão, sim, preocupados com os rumos do ensino – sem falar em inflação, desabastecimento e outros problemas atuais que desapareceram do discurso democrata.
Escrevendo no Politico, o comentarista conservador Charles Sykes ironizou: “Nos jogos de futebol e nas reuniões de pais e mestres, ou em outros lugares onde se cruzam pais de classe média, você não ouve falar em ‘interseccionalidade’ ou debates sobre o uso correto dos pronomes”. As referência são a temas identitários que dominam o discurso nas universidades e da ala progressista dos democratas.
Exatamente esses progressistas “relutam em fazer qualquer análise mais profunda sobre os motivos que alienaram antigos integrantes de sua base” eleitoral.
São os mesmos eleitores que deram a vitória a Biden no ano passado, quando Trump parecia intragável demais, e agora acham que o presidente os abandonou ao abraçar a pauta esquerdista.
Hoje, a rejeição a Biden entre eleitores independentes é comparável à de Donald Trump em seus piores momentos. Numa pesquisa anterior às eleições estaduais, 62% dos independentes disseram que não consideram o governo Biden competente para administrar o país.
Perder o centro desestabiliza qualquer líder político nas democracias. Governar apenas para sua tribo, como fez Trump e como está fazendo Biden, isola os dirigentes e os coloca cada vez mais na defensiva: para “nós”, tudo; para “eles”, que se danem.
Cada vez que Trump, em seus comícios eleitorais de 2020, ridicularizava Biden ou insuflava a massa contra a imprensa – por mais parcial que esta comprovadamente fosse -, deixava os convertidos pegando fogo, mas afastava os hesitantes. Os indecisos acabaram se decidindo e deu no que deu.
A desaprovação a Biden e os fiascos que vem protagonizando, como a absurda retirada do Afeganistão e, agora, a luta interna em seu próprio partido sobre os programas sociais trilionários, evidentemente levam a perguntas inevitáveis: Donald Trump vai se candidatar em 2024? Quais suas chances?
Trump foi um típico candidato de um mandato só, uma aposta arriscada dos eleitores que se inclinaram a tentar uma mudança fora dos quadros políticos habituais.
Hoje, 78%% dos eleitores republicanos acham que Trump deve concorrer e 47% declaram voto nele logo de cara. Seu índice de favorabilidade nesse eleitorado é de impressionantes 83% – um sedutor canto de sereia para o ex-presidente.
O problema é que só teria chances de vitória atraindo os independentes. Isso depende, em boa parte, de como será julgado o desempenho de Joe Biden. Ele ainda tem mais três anos e dois meses de mandato. Está apostando tudo no gigantesco pacote de benefícios sociais que irrigará bondades em todos os setores, da assistência médica à licença remunerada para mães e pais, que nos Estados Unidos é decidida empresa por empresa.
Não pode desperdiçar suas chances: dentro de um ano, as eleições para o Congresso podem inverter a maioria que os democratas têm na Câmara e no Senado e enterrar os ambiciosos programas de Biden.
O momento não é dos mais favoráveis. Inflação, aumento da gasolina e falta de produtos não são problemas que se resolverão rapidamente – nem nos Estados Unidos nem em nenhum outro país. E aumenta a percepção de que Biden não tem energia e foco para enfrentar essa pauleira toda.
Em 2024, ele completará 81 anos e o tempo não tem funcionado a seu favor.