Deus é britânico, diz o comediante Al Murray. Evidentemente, com o humor autodepreciativo que encontrou sua expressão máxima na Inglaterra e adjacências.
Nem o mais saudosista dos ingleses, daqueles com os olhos ainda iluminados pelos raios do sol que nunca se punha no império, diria uma coisa dessas a sério.
Mas a situação no reino também não tem nada de crítica, muito ao contrário. O desemprego é de 4% e o déficit fiscal diminuiu – sim, diminuiu. A economia anda meio bege, com crescimento abaixo dos 2%.
Nada, porém, que se aproxime das previsões catastróficas sobre as consequências do Brexit, a saída da União Europeia referendada nas urnas em junho de 2016.
A pior coisa que o Brexit pode produzir, no momento, é uma crise de governabilidade que desmorone o que ainda resta do cada vez menor espaço sobre o qual se equilibra a primeira-ministra Theresa May.
E rondando a autodestruição do Partido Conservador está Jeremy Corbyn, o político que passou mais de trinta anos na fileira dos fundos do Parlamento, equivalente britânico ao baixo clero, como uma espécie de benigna excentricidade de extrema esquerda.
Quando foi eleito líder do Partido Trabalhista, em 2015, deixou de ser um resquício anacrônico dos velhos tempos do anticapitalismo, com seu boné ao estilo de Lênin, seus “irmãos” no Hamas e uma preocupante admiração por tudo o que emane da Rússia.
Corbyn tem explorado brilhantemente as tensões internas provocadas pelo Brexit. Fingiu, enquanto foi conveniente, que o resultado do referendo era inapelável. Agora, diz que vai “aceitar” se a convenção do partido aprovar, amanhã, uma nova votação.
É, portanto, uma ameaça ao princípio democrático de que a decisão popular tem soberania incontestável.
Qualquer novo referendo, obviamente, teria que passar pelo Parlamento e encontraria enormes obstáculos, mesmo com um eventual apoio da ala conservadora que é contra o Brexit. Mas até um flerte com o desrespeito ao resultado das urnas é preocupante.
A atuação desastrosa da primeira-ministra nas negociações com a União Europeia tem ajudado Corbyn enormemente.
Contra todas as evidências, ela achou que convenceria os futuros ex-sócios de seu plano para uma saída negociada. Foi tratada a pontapés na reunião de Salzburgo onde apresentou as propostas que nunca, jamais seriam aceitas.
A humilhação foi de tal dimensão que até os conservadores que não suportam a primeira-ministra tomaram suas dores. Principalmente depois que fez um discurso irado, recusando as imposições degradantes exigidas em Salzburgo.
Por alguns momentos, retorcendo-se de fúria, voltou a ser a Theresa May boa de briga, disposta a pisotear nos adversários com seus sapatos de oncinha.
Mas simpatia, em política, é uma coisa que dura muito pouco. Tem uma fila de candidatos do Partido Conservador loucos para mandar Theresa May sapatear em casa.
E tem Corbyn por perto para explorar as fraquezas dos adversários e a frustração da opinião pública, habilmente se esquivando de golpes que, em outros tempos, seriam devastadores.
As revelações sobre sucessivas manifestações de antissemitismo, sob o tosco disfarce de críticas a Israel, e até uma foto em que aparece numa homenagem fúnebre aos terroristas da Olimpíada de Munique abalaram apenas circunstancialmente sua imagem entre o público em geral.
Entre os militantes do Partido Trabalhista, tragicamente, aumentaram seu prestígio.
Os britânicos precisam compreender que não vai ser fácil nem rápido resolver os enormes abertos pelo Brexit. Jeremy Corbyn só os tornaria insuperáveis.