Governabilidade. Essa foi a conquista, ainda a passar por outras etapas, a ser celebrada por Javier Milei. Faz a diferença entre conseguir aplicar seu ambiciosíssimo projeto de reformas ou virar um presidente de fachada, talvez até da turma do helicóptero, os chefes de governo que são expulsos por convulsões sociais na Argentina.
Não que a oposição de esquerda não tenha tentado melar a votação, no Senado, do projeto chamado, na versão completa, de Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos. Foram violentos como nunca antes nos seis meses do governo Milei e talvez tenham provocado mais repúdio do que concordância.
Qual cidadão comum não se emocionaria com o depoimento, em prantos, do jornalista Orlando Morales. “Não é essa a Argentina que quero para meus filhos”, disse ele, contando como manifestantes agressivos viraram o carro da rádio em que trabalha, com ele dentro, e tocaram fogo. Um ato simplesmente repugnante, até para a esquerda honesta.
Brutalidades assim ajudam o governo, que precisa do apoio da opinião pública para aprovar leis na Câmara dos Deputados e no Senado.
“COM DIFICULDADES”
Com apenas sete senadores, a Lei de Bases passou apertado: 37 votos contra 36, com a vice-presidente Victoria Villarruel, que também é presidente do Senado, desempatando o jogo. Também sofreu alterações importantes, negociadas com os mileístas, mostrando que um governo que parecia dominado por uma ideologia maximalista está aprendendo a trocar os pneus de um carro a uns 1 500 quilômetros por hora.
Conseguirá Milei governar e levar avante a agenda do governo? Foi essa a pergunta feita por uma pesquisa da consultoria Opinaia. Resultados: 55% disseram que sim, mas “com dificuldades”. Um resultado, nas circunstâncias, excelente. Entre os que votaram em Milei, o índice de respostas positivas foi de 72%.
A aprovação do pacote de leis que mudam fundamentos importantes das relações econômicas “significa que o país continua, para esse governo, governável. E que o será com um programa de reformas muito similar ao que A Liberdade Avança havia imaginado”, escreveu no La Nación o comentarista Carlos Pagni.
Outra vitória, que “evitou uma perigosíssima derrota”, foi o acordo com a China para renegociar cinco bilhões de dólares no swap de moedas. Sem o acordo, não seria possível negociar, pela bilionésima vez, mais um dinheiro do FMI para a Argentina. Por causa dele, Milei irá à China e se reunirá com Xin Jinping. Acabou aquela conversa de não fazer “acordos com comunistas”. E isso é um bom sinal.
DOENÇAS TERMINAIS
Considere-se que Milei, como prometeu, está aplicando medidas duríssimas de austeridade, suspensão de obras públicas, reajuste de tarifas e puro e simples fechamento de ministérios e outros órgãos do governo. Para um país com múltiplas e quase terminais enfermidades, é como se os argentinos fossem um doente recebendo simultaneamente quimioterapia pesada, radioterapia, transplante de medula e diálise
O sofrimento é enorme. Mas aparecem alguns indicadores de que está funcionando, com o recuo da inflação – foi de 4,2% em maio, comparados a 25,5% em dezembro, quando Milei assumiu. O risco país caiu 7% depois da aprovação da Lei de Bases e o Banco Mundial prevê que esse ano ainda será horripilante, com o PIB caindo 3,5%, mas como uma recuperação de 5% em 2025.
As desgraças que torturam a Argentina foram herdadas do período kirchnerista e do conjunto da obra anterior, mas Milei não pode mais evocar isso como desculpa. Agora, tem os instrumentos para aplicar um projeto que parecia mais louco do que jamais outro governante poderia ter imaginado.
Javier Milei participa como convidado do G7 na Itália não mais como uma figura exótica e completamente fora do espectro, mas como um presidente que ganhou mais governabilidade, inclusive, do que a de outros participantes muito mais reputados. Dá para acreditar?