Em declínio no Ocidente, onde igrejas vazias testemunham o apogeu da civilização ocidental, com sua glória e seus pecados, o cristianismo vive, viceja e sofre em países para os quais se expandiu na época da evangelização — hoje só praticada pelas correntes pentecostais.
O mais recente episódio de perseguição aconteceu no Paquistão, seguindo um padrão tristemente conhecido: corre algum boato absurdo de afronta ao Alcorão, o livro santo do Islã, e modestas igrejas cristãs, católicas ou de outras confissões, e casas de moradores de suas imediações são saqueadas, incendiadas e até demolidas.
É desolador ver a impunidade dessas perseguições. As autoridades fingem que investigam e não acontece nada. Esse foi o padrão seguido num dos casos mais recentes, na vizinha Índia. No papel de agressores, hinduístas em lugar de muçulmanos atacaram duas mulheres de uma minoria étnica que segue o cristianismo. O caso só ficou conhecido porque acabou circulando um vídeo onde as pobres vítimas são obrigadas a desfilar nuas, cercadas de homens que as assediam e passam as mãos em seus corpos vulneráveis. Depois, sofreram estupro coletivo e uma delas morreu.
O primeiro-ministro Narendra Modi disse que o abuso “envergonhava a Índia” e prometeu punição severa. O partido dele defende uma espécie de fundamentalismo hinduísta, mas Modi tem conseguido segurar o pior: confrontos sectários em massa, principalmente com os muçulmanos, que são uma minoria ao estilo indiano, com 140 milhões de seguidores.
Os dois países vizinhos nasceram para a história contemporânea num banho de sangue, quando o império britânico entregou os pontos. O Paquistão se desprendeu como um país independente e exclusivo, na prática, para os muçulmanos. Na luta de origem religiosa, morreram nos massacres de 1948 um número calculado em até dois milhões de pessoas.
Diante de um histórico assim, a perseguição aos cristãos empalidece, mas não pode ser ignorada. Foram os jesuítas, com seu ímpeto evangelizador e seu eficiente modelo de atuação global, que espalharam o cristianismo na Ásia, da mesma forma que fizeram no Novo Mundo. A primeira missão jesuíta, com o futuro São Francisco Xavier à frente, chegou à Índia em 1542. Hoje, já são tênues os laços entre os conquistadores europeus e a religião cristã, mas o renascimento fundamentalista alimenta a nova era de perseguições.
O obscurantismo, muitos vezes misturado ao nacionalismo, não tem preconceito: hinduístas perseguem muçulmanos na Índia, budistas fazem o mesmo em Mianmar e muçulmanos perseguem todas as minorias num arco que vai do Boko Haram na Nigéria, passando pelo Estado Islâmico que provocou uma diminuição crítica de cristãos na Síria, chegando ao Talibã no Afeganistão e grupos variados no Paquistão.
Na China, onde o pioneiro Matteo Ricci se tornou praticamente um nativo, falando mandarim perfeito e incorporando rituais locais ao cristianismo — isso no século XVI —, a perseguição é praticada pelo governo comunista, que não aceita a autoridade papal sobre os católicos locais e a estrutura eclesiástica. Nem as grandes concessões feitas pelo papa Francisco mudaram a mão pesada do Partido. Não há sequer certeza sobre o número de cristãos chineses, que poderia ser de até 100 milhões, entre a maioria protestante e a minoria católica.
Igrejas perseguidas costumam alimentar a fé e talvez não haja lugar, hoje, onde ela seja maior do que em lugares como o Paquistão, onde seguir uma religião minoritária é quase um ato de heroísmo. O caso mais famoso, ou infame, foi o de Asia Bibi, uma mulher humilde acusada de blasfêmia por causa de uma discussão inconsequente com mulheres muçulmanas. Ela chegou ser condenada à morte na forca, mas acabou sendo solta para ir morar no Canadá. Contou que, na prisão, sofreu com um grilhão colocado no pescoço, usado para arrastá-la acorrentada na prisão. O governador do estado do Punjab paquistanês, Salman Taaser, foi assassinado por fundamentalistas porque defendia a soltura de Asia.
É difícil imaginar que algo assim aconteça nos dias atuais, mas esta é a triste realidade.