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Guerra de nervos: história do veneno usado contra espião russo

Fica cada vez mais complexa a trama envolvendo o envenenamento por VX de um ex-agente secreto, a filha dele e o policial inglês que atendeu a emergência

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jul 2020, 20h32 - Publicado em 9 mar 2018, 14h56
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  • Em menos de quinze minutos de carro dá para ir do centro da pequena Salisbury, onde Sergei Skripal e sua filha Yulia foram encontrados desacordados e espumando pela boca, e o laboratório militar onde o agente químico VX foi descoberto em 1952.

    Em 66 anos, o VX não foi usado em conflitos, mas fez um número desconhecido de vítimas voluntárias ou não em testes secretos. Na União Soviética, presos políticos foram usados como cobaias durante o stalinismo, uma alternativa ao tiro na cabeça.

    A mais conhecida vítima do VX foi o irmão de Kim Jong-Un, envenenado por duas prostitutas em pleno aeroporto de Kuala Lumpur.

    Kim Jong-Nam morreu em 20 minutos. As câmeras de segurança mostraram tudo: as mulheres que chegam por trás e passam uma substância em seu rosto, com um lenço de papel observadas por quatro norte-coreanos sentados em bancos do aeroporto.

    Enquanto a vítima agoniza, elas vão a um banheiro, tiram as luvas usadas no ataque e lavam bem as mãos, um sinal de que sabiam do risco. O VX, um líquido oleoso incolor e inodoro, penetra através da pele.

    Desde 1916, mais de 20 mil militares britânicos participaram das experiências no laboratório de Porton Down, na idílica paisagem rural de Wiltshire, transformar em sinônimo de lugar tão misterioso que surgiram até as inevitáveis histórias de extraterrestres testados secretamente.

    Apenas um deles morreu acidentalmente. Ronald Maddison, voluntário da Força Aérea que recebeu em 1953 um dose de gás sarin, o outro agente químico mais conhecido, sobre duas camadas de roupas.

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    Agora, especialistas militares em guerra química e descontaminação foram chamados para investigar o sobrado de tijolinhos em Salisbury, comprado por 340 mil libras, um preço modesto, para acomodar Skripal na “segunda vida” que ele mesmo sabia não ter nada de garantida.

    O policial Nick Bailey, internado em estado menos grave que o ex-coronel do GRU, o serviço russo de inteligência militar e a filha, aparentemente foi contaminado pelo VX não ao atender as vítimas na rua, mas na casa de Skripal.

    A hipótese do momento, que evidentemente pode mudar: Yulia, que havia chegado da Rússia no sábado , trouxe algum presente secretamente “batizado” para o pai.

    No domingo, ao saírem de um restaurante no centro de Salisbury, pai e filha começaram a passar mal. Algumas pessoas que os viram sentados num banco de praça acharam que estavam numa “viagem” movida drogas por causa dos movimentos desconexos.

    De alguma maneira, estavam mesmo. O VX é um organofosforato neurotóxico desenvolvido para ser absorvido pelos olhos e pela pele, na forma líquida. A ação letal é mais rápida na forma gasosa. O funcionamento é o mesmo: interfere na enzima que participa do mecanismo de contração muscular.

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    Depois de impulsionar contrações violentas, o VX provoca a paralisia da musculatura do diafragma e uma dolorosa morte por asfixia.

    O VX não é para amadores, não pode ser produzido em “laboratórios de porão”. Um químico norte-coreano chegou a ser preso depois do assassinato do meio-irmão do ditador hereditário, mas acabou deportado da Malásia.

    Na Rússia, ainda na era soviética, o agente foi desenvolvido em Yasenevo, o complexo-mãe das diferentes siglas usadas ao longo do tempo para o serviço secreto – NKVD, KGB e, hoje, FSB.

    Como praticamente tudo nessa área, os agentes químicos que agem sobre o sistema nervoso foram descobertos por um alemão, Gerhard Schrader. Ele fazia pesquisas sobre pesticidas, mas depois se dedicou aos humanocidas.

    Schrader desvendou a família G, constituída pelo sarin e o tabun, os dois agentes letais de rápida dissipação. Num de seus maiores crimes contra a humanidade, Saddam Hussein mandou bombardear regiões curdas do Iraque com gás sarin.

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    Também há registro de tropas iranianas atingidas por armas químicas durante a guerra Irã-Iraque. Os iranianos na época não tinham o equipamento padrão hoje comum: roupas e luvas em camadas com tratamento especial, capacete, máscara, detectores e um kit de antídotos injetáveis.

    O uso do gás que o regime sírio assumiu o compromisso de entregar para destruição desencadeou uma chuva de mísseis punitivos contra um aeroporto militar, aprovada por Donald Trump.

    A rapidez na administração dos antídotos é essencial, especialmente no caso do VX, que não tem cheiro. Com uma vida mais longa que seus “irmãos” do grupo G, também deixa rastros mais detectáveis.

    Não que quem mandou envenenar Sergei Skripal esteja preocupado em passar despercebido. Mas depois do assassinato de Alexander Litivinienko, o ex-agente russo envenenado com uma dose de polônio-210 em novembro de 2006, depois de tomar chá com agentes secretos num hotel de Londres, os métodos se refinaram.

    A trajetória dos dois assassinos, na ida e na volta a Moscou, foi toda reconstituída por causa do rastro radiativo deixado pelo isótopo. Os dois subiram na vida e um deles foi eleito deputado.

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    A hipótese de que a filha de Srkipal tenha levado a morte invisível para o pai acrescenta um elemento maquiavélico. E o fato de que o envenenamento tenha ocorrido a poucos quilômetros do lugar onde o agente químico foi descoberto é de provocar a imaginação dos viciados em enigmas.

    Bombas com um líquido estranho foram descobertas por soldados britânicos na Alemanha derrotada. Como não sabiam o que era aquilo, mandaram para Porton Down. Em 1952, o VX foi descoberto no mesmo laboratório.

    Segundo a lenda, os Estados Unidos passaram aos britânicos segredos da bomba termonuclear em troca do neurotóxico.

    Sergei Skripal foi morar na pacífica Salisbury pelo programa de proteção a agentes russos que colaboram com o serviço secreto americano e britânico – uma história longa e movimentada, dos dois lados.

    Ele estava no topo da lista de prioridades, definida na época, em 201o, por um ex-analista da CIA como aqueles que estão penando “numa cela russa muito gelada”.

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    Ajudar colaboradores flagrados é um compromisso de honra dos serviços de espionagem e um bom marketing para futuros recrutamentos.

    A CIA e o FBI haviam desbaratado uma rede de agentes russos infiltrados, passando-se por cidadãos comuns. O caso ficou famoso por causa da espiã ruiva e gata Anna Chapman.

    Originalmente Anna Kushchienko, ela usava e usa até hoje o sobrenome do marido inglês com quem se casou para ganhar cidadania e aperfeiçoar a fachada.

    Os dez agentes infiltrados russos foram trocados por quatro colaboradores russos: Alexander Zaporozhky (foi quem entregou o mais conhecido vira-casaca da CIA, Aldrich Ames, em prisão perpétua desde 1994), Igor Sutyakin, Gennady Vasilenko e Sergei Skripal.

    Com a patente de coronel do GRU, o serviço militar de inteligência, Skripal passou segredos durante anos para espiões britânicos, incluindo os nomes de centenas de colegas. Em 2006, foi condenado a treze anos de prisão.

    Ele e a filha estão agora em estado gravíssimo, inconscientes. Além da área do restaurante onde fizeram a última refeição, da praça onde foram encontrados e da casa de Skripal, também foram interditadas as sepulturas da mulher e do filho do ex-espião russo, cujas mortes por doença agora se tornaram suspeitas.

    “Os que nos servem veneno acabam envenenados”, disse um certo ex-agente da KGB dois dias depois que Skripal e a filha foram encontrados. Vladimir Putin estava falando das sanções internacionais contra a Rússia.

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