Seria a eventual criação de um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza, em troca da normalização com países de grande importância regional como a Arábia Saudita, a solução mágica para os problemas infernais do Oriente Médio?
Os Estados Unidos acham que sim e têm esse objetivo final. Praticamente todo o resto do mundo concorda, embora alguns queiram, apenas hipoteticamente, apressar o calendário, como Noruega, Espanha e Irlanda fizeram ao reconhecer o Estado palestino.
Não têm poder para isso, mas aumentam a pressão sobre Israel, num momento já de alta volatilidade pelo “acidente trágico”, nas palavras de Benjamin Netanyahu, que matou 46 pessoas na cidade de Rafah. Fora as decisões dos dois tribunais internacionais e da ONU, sempre com marcação cerrada sobre Israel e condescendência quando não cumplicidade com outros países envolvidos em guerras muito mais sanguinolentas.
A “solução dos dois Estados”, infelizmente, parece bem distante. O ataque do Hamas de 7 de outubro contra comunidades do sul , com 1 200 mortos e 250 sequestrados, convenceu muitos israelenses que entidades palestinas autônomas, com acesso a armamentos, querem na verdade matar judeus e expulsá-los de sua nação, não negociar acordos de convivência entre os dois povos, com seus respectivos países.
RECOMPENSA AO TERROR
Uma pesquisa feita por um centro de estudos e divulgada pelo Jerusalem Post mostra que 64% dos israelenses são contra a promoção das unidades autônomas da Cisjordânia e de Gaza ao status de país independente. Dentre os que eram a favor antes de 7 de outubro, um terço mudou de opinião e passou a ser contra, um triste resultado dos massacres em série praticados pelo Hamas e endossados enfaticamente pela opinião pública palestina, em Gaza e, mais ainda, na Cisjordânia.
E mais: quanto mais jovens, mais os israelenses são contra. Na faixa dos 18 aos 29 anos, a oposição bate em 70%. Entre os acima de 60 anos, o apoio era maior a um acordo que envolvesse o reconhecimento de Israel em troca de um Estado desmilitarizado. Caiu de 44% para 32%.
A oposição mais forte é entre israelenses judeus do espectro político da direita, hoje predominante: 84%. Centro: 54%. Esquerda: 24%.
Tanto o governo de Netanyahu quanto o Knesset, o parlamento israelense, já rejeitaram categoricamente a criação de um Estado que hoje consideram que seria uma recompensa aos bárbaros ataques, com morte de crianças, estupros e execuções sumárias.
ESTADO TERRORISTA
A oposição total foi exemplificada pelos tuítes sempre nada diplomáticos do ministro das Relações Exteriores, Israel Katz. Não sem uma boa dose de razão ele ressaltou a atrocidade desfechada pela vice-primeira-ministra espanhola, Yolanda Díaz, do partido de extrema esquerda Sumar. Ela repetiu publicamente que a Palestina seria livre “do rio ao mar”, do Jordão ao Mediterrâneo. Cinicamente, afirmou depois que não queria subentender que Israel deveria ser varrido do mapa. Como a Palestina pode ocupar todo o território mencionado sem a extinção de Israel?
Katz comparou-a a Yahia Sinwar, o comandante militar que comanda a tropa escondida na rede de túneis, protegido por reféns que serão eliminados caso forças israelenses o ataquem, e também ao manda-chuva do Irã, o aiatolá Ali Khamenei.
“Khamenei, Sinwar e a vice-primeira-ministra da Espanha clamam pelo desaparecimento do Estado de Israel e pelo estabelecimento de um Estado terrorista islâmico do rio ao mar”. Ao não demitir Díaz e ao anunciar o reconhecimento do Estado palestino, o primeiro-ministro Sánchez é cúmplice da incitação ao assassinato do povo judeu e de crimes de guerra”, estrilou Katz.
Obviamente, a política externa agressiva segue uma orientação de Netanyahu – a quem o chanceler sonha eventualmente substituir. Adicionalmente, Netanyahu recebeu o líder ultradireitista Santiago Abascal – e bem na véspera das eleições para o Parlamento europeu. Abascal prometeu revogar o reconhecimento do Estado palestino na hipótese, por enquanto inexistente, de ser o primeiro-ministro da Espanha.
CÂMERA LENTA
A criação de um Estado independente estaria num cronograma de médio prazo, mas Israel tem um problema de curtíssimo prazo: a quem deixar a administração civil de Gaza. Pressionado até por aliados, Netanyahu falou recentemente em palestinos não filiados ao Hamas nem à Autoridade Palestina. Onde os encontraria é um mistério.
O fato é que o Hamas tem retomado o controle de áreas de Gaza de onde as Forças de Defesa Israelenses se retiram. Segundo uma avaliação americana, o Hamas, que tem um braço administrativo e outro militar, como um governo de fato, sofreu entre 30% e 35% de perda de seus efetivos. É pesado, mas longe de bastar para desarticulá-lo, como é o objetivo nacional de Israel – não apenas do governo.
As operações em Rafah estão sob a lupa do planeta inteiro. Os militares israelenses montaram uma operação brilhante de “câmera lenta”, com a saída de um milhão de refugiados que lá acampavam, e operações graduais. Mas quando acontece uma tragédia como a de segunda-feira, as precauções vão para o buraco. Não adianta explicar que provavelmente o desastre humanitário foi desencadeado por um estilhaço que atingiu um depósito de armas do Hamas.
É ilusão achar que a solução é um Estado palestino? E sem ele, existe uma solução? Documentos datados de 1970 que tiveram o sigilo levantado no ano passado mostram que a primeira-ministra Golda Meir, conhecida pela implacável frase “Não existe essa conversa de palestinos”, comentou numa reunião de gabinete que haveria um Estado autônomo “se e quando for bom para nós”.
É uma decisão que parece impossível agora, mas tem um nível de inevitabilidade maior até do que o terrível trauma sofrido por Israel em 7 de outubro.