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Frente de todos contra todos: Cristina manda, Alberto obedece, país afunda

Com uma crise econômica de proporções monumentais, Argentina enfrenta uma guerra civil interna que tem tudo para ficar pior ainda

Por Vilma Gryzinski 5 jul 2022, 07h39

Muitos argentinos inundaram sites e shopping centers para comprar eletrodomésticos que não precisam (exceto como garantia contra a inflação com bens duráveis que ninguém recomprará), resultando num aumento de 35% das vendas. Pequenos comércios nem abriram, sem saber o que cobrar pelas mercadorias. O dólar saltou de 239 pesos para 268 entre sexta e segunda. O buraco onde o país está afundando aumentou, e muito.

E os peronistas estão se engalfinhando em lutas internas, historicamente um de seus esportes favoritos. A autofagia entre as alas de esquerda e de direita contribuiu, tragicamente, para o golpe militar de 1976. Os 48 anos da morte de Juan Perón, que precedeu em pouco mais de um ano a derrocada que já havia sido desenhada em todos os detalhes, serviram para as celebrações de praxe  na semana passada e nem uma única gota de autocrítica: repetir os mesmos erros é uma das pragas argentinas.

A Frente de Todos, como se chama a aliança peronista, está mais para uma hobbesiana frente de todos contra todos desde que Cristina Kirchner avançou vários passos na intervenção no governo do homem que trata como se fosse, menos do que um empregado, um servo.

Até quem não simpatiza com Alberto Fernández não pode deixar de se compadecer com o que ele virou: um presidente nominal, emasculado, humilhado, obrigado a acatar ordens como a de nomear a indicada por Cristina, Silvina Batakis, para a vaga aberta quando Martín Guzmán pediu demissão como ministro da Economia.

Jornais argentinos noticiaram os detalhes que levaram Alberto a abaixar as orelhas e ligar para a chefa, na busca de quem substituiria Guzmán, sabendo muito bem que nem adiantava tentar emplacar alguém de sua preferência.

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Os dois não se falavam há tempos, mas a barreira de mísseis políticos desfechados por Cristina vinha mantendo o presidente-poste  permanentemente à beira de um ataque de nervos. Obviamente, o jantar de ambos ontem à noite, em clima pouco animado, não mudou em nada a dinâmica “eu mando e ele obedece”.

Não são apenas ministros que Cristina derruba ou nomeia. A briga desce a detalhes como integrantes dos “movimentos sociais” – na verdade, alas peronistas que fatiam as benesses oficiais – cuja cabeça a vice exige. O La Nación informou que Cristina comunicou a Alberto que quer decapitar dois dirigentes do Movimento Evita e um do Somos Bairros de Pé, confortavelmente instalados no Ministério do Desenvolvimento Social e na secretaria de Relações Parlamentares da Chefia de Gabinete..

É uma briga por influência e por dinheiro, literalmente, proveniente do saco sem fundo de programas sociais que distribuem benefícios tornados sem sentido pela acelerada derrocada econômica.

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O nome mais forte para comandar o Ministério da Economia, mesmo que fosse a partir do posto de chefe de Gabinete, era o de Sergio Massa, atual presidente da Câmara dos Deputados. Com muito mais densidade – e esperteza – política, ele exigiu que houvesse um acordo de cúpula na coalizão peronista sem o qual seguiria, inexoravelmente, o mesmo caminho que Martín Guzmán, um discípulo de Joseph Stiglitz, o “economista predileto” de Cristina por considerá-lo um profeta chique do calote.

A linhagem elevada evidentemente não serviu de nada na hora do vamos ver. Na prática, o cristinismo rompeu com Guzmán quando ele encabeçou um acordo com o FMI, esperando uma estabilização que não veio, investimentos estrangeiros que não se materializaram e proteção política de um presidente que não tinha condições de dá-la.

Silvina Batakis tem menos cacife ainda, embora seja considerada qualificada, embora identificada com a ala “heterodoxa”, sinônimo de coisas feias. É inevitável que acabe incinerada pela crise econômica e a guerra civil no peronismo. Ambas só vão aumentar, mesmo que Alberto Fernández assine a rendição incondicional depois de cada batalha. Nessa última crise, ele resistiu exatamente 27 horas, o período que transcorreu entre a demissão de Guzmán e o telefonema que acabou dando a Cristina, depois de entregar os pontos.

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A gata está só esquentando as garras com o rato.

Até onde irá a crise?

“A atual crise econômica argentina se origina em Cristina Kirchner, Alberto Fernández, La Campora, Axel Kiciloff e o kirchnerismo em geral”, escreveu no Infobae o analista Roberto Cachanosky, enumerando os principais atores políticos peronistas.

“Em outras palavras, o problema não é a saída de Guzmán, o problema é o kirchnerismo no poder. Enquanto eles estiverem no governo, não existe possibilidade alguma de reverter esta crise e muito menos a longa decadência que sofremos”.

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