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Ex-jogador, milionário, branco, ganha de ministra. Adivinhem por quê?

Resposta fácil: ele é de esquerda, ela é de direita e pode ser comparada a nazistas sem maiores consequências; fora um recuo humilhante da BBC

Por Vilma Gryzinski 14 mar 2023, 07h51

Imaginem um país onde os comentaristas de futebol são de esquerda e aproveitam sua posição de destaque para criticar inimigos ideológicos.

Nossa, existe isso?

Existe e causou a maior crise na Inglaterra. O comentarista, Gary Lineker, um ex-jogador mediano, saiu por cima. A ministra do Interior comparada por ele aos nazistas, Suella Braverman, filha de pais de origem indiana que emigraram do Quênia e das Ilhas Maurício, saiu por baixo. A BBC, que encenou um ligeiro castigo à sua maior estrela — salário de 2 milhões de libras —, acabou humilhada.

Lineker foi tirado do ar por menos de uma semana por ter tuitado o seguinte a respeito da política enunciada pela ministra do Interior para proibir o pedido de asilo por clandestinos que chegam de barco às praias inglesas: “Não existe um grande fluxo. Nós recebemos muito menos refugiados do que outros países europeus grandes. Isso é apenas uma política incomensuravelmente cruel dirigida contra as pessoas mais vulneráveis em linguagem que não é diferente da usada na Alemanha nos anos trinta”.

Note-se o conhecido descalabro da comparação com o nazismo, um absurdo que só pode ser aceitável quando envolve genocídio em larga escala.

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Lineker tem direito a essa opinião desatinada? Sem dúvida nenhuma. Pelos princípios da liberdade de expressão, ele estava criticando uma figura pública, muito mais sujeita a críticas, mesmo desproporcionais, do que uma pessoa comum.

Abusou de sua posição como personalidade conhecida, com acesso a uma enorme audiência, numa televisão sustentada pelo público,  na qualidade de comentarista do programa Jogo da Semana? Também sem dúvida nenhuma.

A responsabilidade de artistas e comentaristas é maior do que a dos tuiteiros comuns. A suspensão de Lineker envolveu uma emissora comprometida, por sua própria natureza, com a imparcialidade. Na prática, isso é uma ilusão. A BBC há muito tempo tem apenas uma fachada de imparcialidade — talvez desde a época em que Churchill disse que, se a emissora transmitisse a luta entre São Jorge e o dragão, torceria pelo monstro mitológico. 

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A maioria de seus jornalistas muito provavelmente concorda com Lineker.

Basta imaginar a situação oposta: um comentarista de direita, homem e branco, critica uma ministra de esquerda, mulher e minoria étnica, e a compara a nazistas. O mundo, evidentemente, desabaria e o envolvido nunca mais abriria a boca nem a dez quarteirões da sede envidraçada da BBC.

A reação da ministra, nascida Sue-Ellen Fernandes — um sobrenome que remete à presença portuguesa na Índia — foi notar que o comentário de Lineker “diminui a tragédia inominável que foi o holocausto”. Também lembrou que seu marido é judeu e os dois filhos do casal levam o genocídio na herança familiar. Ela também disse que não iria “receber lição de moral de esquerdistas sem noção — ou de ninguém mais”.

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“Acho que não ajuda comparar nossas medidas, que são legais, proporcionais e, na verdade, compassivas, à Alemanha dos anos trinta. Estamos do lado do povo britânico nesse caso”.

É verdade. Todas as pesquisas indicam, para desespero da BBC e da esquerda em geral, que a opinião pública rejeita a imigração clandestina, hoje concentrada sobretudo em pessoas provenientes da Albânia, um país que não vive em guerra nem em crise. O trajeto de barco através do Canal da Mancha custa caro — até 4 000 libras — e depende de uma rede de traficantes humanos. Assim que chegam, os clandestinos são hospedados em hotéis, recebem alimentação e aguardam a definição sobre seu status com relativa segurança. 

Segundo pesquisas mais recentes, 42% dos britânicos apoiam a proposta de que os irregulares sejam deportados enquanto seus pedidos de asilo tramitam e 25% são contra.

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Vários colegas de Gary Lineker se recusaram a gravar programas em solidariedade a ele e o recuo da BBC foi considerado histórico pela esquerda e patético pela direita.

O caso será rapidamente esquecido assim que um grande jogo de futebol hipnotizar as atenções do público que paga 159 libras por ano — seis vezes mais em reais — para poder assistir televisão. É essa a grande vulnerabilidade da BBC, que se desdobra em vários braços do entretenimento, com muitas produções notáveis pela qualidade. 

No mundo dos computadores, por quanto tempo canais abertos de televisão, sustentados por assinaturas caras, vão sobreviver?

Não é um problema para Lineker. Com fortuna calculada em 30 milhões de libras e alçado a herói da esquerda, ele tem a vida garantida. E, depois do recuo da BBC, pode sapatear mais ainda na cabeça de Suella Braverman.

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