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EUA: polícia que não quer prender e justiça que não quer condenar

A criminalidade aumenta num país que já foi exemplo de combate a ela e hoje tem áreas dominadas pela teoria do desencarceramento

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 19 abr 2023, 07h20 - Publicado em 19 abr 2023, 06h18
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  • Policiais de Nova York
    Nova York a favor do crime: os ladrões mais contumazes acumulam média de dezoito passagens pela polícia (Robert Nickelsberg/Getty Images)

    Um número espantoso, até pelos padrões brasileiros, retratou a condescendência com que criminosos são tratados na cidade que tinha seu nome associado ao combate contra o crime. Um terço, ou 327, dos criminosos que entram em lojas de Nova York e fazem um arrastão nas prateleiras, uma prática que se tornou tristemente comum, já foram detidos mais de seis mil vezes.

    Leram certo: seis mil vezes, equivalendo a uma média de pouco mais de dezoito crimes por pessoa. “Alguns praticam os furtos como atividade profissional, outros são levados pelo vício ou por doenças mentais”, anotou o New York Times ao dar a espantosa informação.

    Adicionalmente, os crimes também se concentram em poucos pontos comerciais: 18 lojas de departamentos e sete redes de farmácias constituem 20% dos alvos da rapina.

    Nova York, que tem a peculiaridade de ser governada por um prefeito que foi policial, Eric Adams, não está sozinha. Chicago hospeda ladrões em série, especializados em vender produtos de luxo que seus comandados entram e pegam das lojas, sem nenhuma repressão. A Califórnia virou um paraíso dos ladrões: por lei, não processa furtos em loja envolvendo menos de 950 dólares por dia.

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    Nada surpreendentemente, muitas lojas vão fechando, diminuindo as opções para os moradores e aumentando o processo de deterioração urbana. Um supermercado da Whole Foods, rede de espetaculares produtos orgânicos pertencente a Jeff Bezos, não durou nem um ano em São Francisco, uma cidade de milionários onde sem-teto e drogados oferecem cenas deprimentes, à altura das cracolândias brasileiras. A Walmart, praticamente um sinônimo do estilo de vida americano, com uma infinidade de produtos a bons preços. está fechando quatro lojas em Chicago.

    A inapetência da polícia para reprimir os crimes é incentivada por toda a cadeia de comando da justiça, dominada nas grandes cidades por promotores e juízes adeptos da descriminalização e do desencarceramento. “A gente prende e eles soltam”, não é somente uma reclamação típica de policiais brasileiros.

    Em Chicago, onde os bairros pobres reproduzem as guerras de gangues vistas nos seus equivalentes no Rio de Janeiro, uma prefeita esquerdista foi substituída por um prefeito mais esquerdista ainda. Brandon Johnson já defendeu um tema clássico da categoria: cortar verbas destinadas à polícia, isso em pleno florescimento da criminalidade. A ideia é “redirecionar verbas dirigidas o policiamento e ao encarceramento e colocá-las em serviços públicos que promovam a saúde e a equidade da comunidade”.

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    Tradução: menos polícia, mais crime e serviços piores ainda. 

    Sem falar em cenas inacreditáveis, como as de várias centenas de adolescentes e jovens que saíram pelo centro de Chicago na noite de sábado passado, destruindo carros e atacando pessoas aleatoriamente, num retrato da anomia que a prefeita Lori Lightfoot está deixando como legado.

    A percepção de que o crime será punido é um dos fundamentos das sociedades civilizadas. Nela também se ancoram outros alicerces vitais, como um bom sistema de educação para todas as camadas sociais, oportunidades melhores para todos e incentivos aos menos privilegiados. Sem ela, as escolas de bairros pobres são tomadas pela anarquia, os ricos criam bolhas para se isolar do crime e as diferenças sociais aumentam.

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    Como é possível que uma cidade que se sente o umbigo do mundo, a Nova York dos milhares e milhares de filmes e músicas, ocupante do lugar número um na lista das que têm mais moradores ricos (nada menos do que 340 mil milionários) tenha voltado à deterioração da qual foi salva por Rudolph Giuliani e sua política de tolerância zero, baseada no princípio de que uma única vitrine quebrada para um furto rápido tinha que ser reprimida?

    Os tempos, obviamente, mudaram. E, claro, os eleitores votaram em candidatos tolerantes com o crime a ponto de que os ladrões, em vez de furtivamente quebrar vitrines de madrugada, agora entram nas lojas à luz do dia, pegam o que querem e levam para revender.

    Outro número do New York Times: em 2017, 60% dos furtos em lojas redundaram em detenções. O número caiu para 34% no ano passado. Os furtos mais do que dobraram nos últimos cinco anos, chegando a quase 64 mil em 2022.

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    O aumento da criminalidade é concentrado nas “cidades problemáticas”, as com autoridades públicas tolerantes com as “pequenas” infrações, como Chicago, Los Angeles e Nova York — sendo que nesta, os homicídios diminuíram, apesar dos roubos dispararem. No cômputo nacional, os índices de criminalidade caem e as vantagens de morar num país rico, com bom serviços, espaços infinitos e normas sociais sólidas ainda são incomparáveis.

    Como muita coisa que acontece nos Estados Unidos acaba reproduzida no Brasil, o pano de fundo é o mesmo: a convicção, entre juristas ativistas, de que a injustiça social é responsável por todos os crimes e a resposta deve ser dada pela condescendência com os criminosos, tratados como vítimas.

    Essa tolerância, como temos constantes e dolorosas provas no Brasil, inferniza a vida dos mais pobres, dos que saem de madrugada para tomar ônibus para o trabalho tentando esconder o celular nas roupas, das mães que temem perder os filhos para a bandidagem, dos que são totalmente desprotegidos diante do poder dos criminosos.

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    A tolerância deturpada da chamada aristocracia progressista corrói os centros das cidades largados à própria sorte, abandonados ao tráfico e à degradação. Ninguém sai ganhando, fora as falsas boas consciências.

    Victor Davis Hansen, talvez o único intelectual de direita com uma boa projeção popular nos Estados Unidos, ironiza os bem intencionados que toleram a derrocada urbana nos seguintes termos: “Ignorar ou perpetuar a situação dos sem-teto é preferível a acabar com ela. É mais humano deixar milhares de pessoas dormir, comer, defecar e usar drogas em ruas e calçadas públicas do que propiciar habitações de baixo custo, tornar obrigatória a hospitalização de doentes mentais e criar abrigos públicos em quantidade suficiente”.

    A pobreza não deve ser criminalizada, mas moradores, comerciantes e trabalhadores em áreas deterioradas também não podem ser punidos por circular em lugares onde as autoridades públicas lavaram as mãos.

    O processo que corre contra Donald Trump em Nova York acabou levando a uma reação de deputados republicanos. Obviamente por motivos políticos, eles estão investigando a impunidade na cidade onde o procurador-geral que enquadrou Trump, Alvin Bragg, é um dos maiores defensores do ativismo jurídico.

    Parentes de vítimas assassinadas têm desfilado nas audiências da Comissão de Justiça da Câmara comandadas pelo ultratrumpista Jim Jordan e ilustrado casos como o do reincidente Rodney Johnson, para quem o procurador “aliviou” uma acusação de assalto. Detalhe: Johnson tinha sido detido nada menos que noventa vezes. Ao todo, o procurador rebaixou a gravidade de 52% dos crimes que passaram por seu crivo. Em compensação, acusou de homicídio agravado o atendente de um mercadinho, Jose Alba, por esfaquear um assaltante.

    A criminalidade é, obviamente, um fenômeno multifatorial, interligada a todos os complexos mecanismos sociais e econômicos e vai muito além da ação isolada de um promotor ou de uma força policial.

    Mas é garantido que o combate a ela já entra mancando na corrida quando perpetradores são considerados vítimas e as vítimas de fato, ignoradas.

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