“Vou enfiar o pé na jaca”, informou um sorridente Djaber Benallaoua, elogiando como “muito boa” a atitude do governo britânico que o tornou um dos vários milhares de presos liberados antes de completar suas penas, por causa da superlotação nas prisões. “Horrível”, admitiu uma fonte do governo do primeiro-ministro Keir Starmer sobre as imagens de presos como Benallaoua sendo recebidos com banho de espumante por amigos e parentes.
Um bandido mais graduado saiu vestindo Gucci e entrou numa Lamborghini preta que o esperava na porta da penitenciária. Outro foi recebido com um desfile de carrões de luxo, incluindo uma BMW, a marca chique que se tornou a preferida dos traficantes.
É difícil imaginar uma situação pior, em termos de opinião pública, do que ser elogiado por criminosos soltos antes da hora. Mas Starmer e seu governo capricharam: simultaneamente, foi aprovado no Parlamento o corte do subsídio anual de 300 libras para ajudar os idosos a pagar as contas de energia, altíssimas num país de inverno rigoroso e que não tem produção que atenda suas demandas.
Apenas 51 parlamentares trabalhistas ensaiaram um tímido protesto e se abstiveram ou não apareceram na votação do projeto chamado informalmente de “mate seus avós congelados”. Uma única votou contra.
Teve mais. Cerca de 350 mil aposentados passarão a pagar imposto de renda. Também não está excluída a possibilidade da eliminação do passe livre nos transportes públicos para quem tem acima de 60 anos.
E o benefício em impostos municipais para residentes sozinhos, chamado de “lei das viúvas”, também pode rodar. Canais de televisão têm mostrado pessoas muito idosas completamente perplexas com as novas medidas. “Esse governo não gosta de nós e não entendo por quê”, disse uma senhora que parecia o protótipo – antigo – das vovozinhas, com olhos marejados
“HERANÇA MALDITA”
Os trabalhistas prometeram o paraíso e muitos esperavam ganhar mais coisas grátis do governo. Alguns setores, justamente os mais privilegiados, foram realmente contemplados, como os médicos do falho e complicado sistema de saúde pública, beneficiados com um aumento de nada menos que 22%, um acinte, na situação atual, para garantir que não prejudiquem ainda mais a população com suas greves constantes.
Adivinhem qual o argumento que Starmer e seus ministros usam constantemente para medidas que deixaram a esquerda em choque, como o corte de subsídio que pode levar muitos idosos a passar frio e, consequentemente, ter as doenças recorrentes da falta de aquecimento por impossibilidade de pagar a conta.
Exatamente, a velha desculpa da herança maldita. Ministros trabalhistas acusam sem parar o governo conservador, amplamente derrotado nas urnas na eleição de julho passado, de “esconder” um buraco de 22 bilhões de libras nas contas públicas.
É número destinado a impressionar quem não sabe que a quantia é quase irrelevante para um país que tem um PIB de 2,3 trilhões de libras (3 trilhões de dólares).
Mas o governo trabalhista não está sendo responsável e procurando cortar gastos para não piorar uma dívida pública que já é equivalente a 100% do PIB?
PASSE LIVRE
A credibilidade do governo anda baixa para esse tipo de pretexto. Rachel Reeves, que ocupa o cargo equivalente ao de ministra da Economia, se viu na situação execrável de explicar por que pediu ao Parlamento uma verba de 4 400 libras para subsidiar a conta de luz na casa que nem é sua residência principal. E fez isso exatamente no dia em que dez milhões de aposentados perderam o subsídio.
A ministra disse que precisa ter uma casa em Londres e outra no distrito pelo qual é membro da Câmara dos Comuns. “São as regras”, defendeu-se, numa situação indefensável.
O chefe não está numa posição muito boa para cobrar pelo menos uma aparência que disfarce as benesses aos membros da casta. Um empresário de comunicações simpático ao Partido Trabalhista, Waheed Allli, filho de indianos do Caribe que ganhou o título de lorde, bancou 16 mil libras gastas em ternos e até óculos para Starmer durante a campanha eleitoral.
Depois da vitória, sem nenhuma surpresa, Alli ganhou um passe livre para entrar na célebre residência dos primeiros-ministros, em Downing Street.
Qual a credibilidade de um ex-trotskista como Starmer para se passar por defensor dos pobres e oprimidos quando até seus óculos são bancados por um ricão privilegiado? E os aposentados são cruelmente atingidos? Imaginem se um governo conservador fizesse algo remotamente parecido: haveria quebra-quebra no reino inteiro.
CANÁRIOS NA MINA
No mundo real das pessoas que trabalham para pagar as próprias roupas e acessórios oculares e, no caso dos muito ousados, abrir empresas e negócios que os tornam ricos (ou falidos) e beneficiam a economia, a situação é diferente das maravilhas prometidas pelos trabalhistas. Antes mesmo da eleição, com a previsível derrota do desmoralizado Partido Conservador, já havia a previsão de que 9,5 mil pessoas com mais de um milhão de dólares líquidos para investir irão deixar o Reino Unido este ano, prevendo aumento de impostos e condições desfavoráveis a investimentos.
No jargão dos especialistas, essas pessoas não são mais chamadas de milionárias, mas de indivíduos de alta renda, ou HNWIs, segundo as iniciais em inglês. Continuam sendo os canários na mina. Sentem os ventos contra e vão procurar condições mais favoráveis. Qualquer governo tem que falar com esse público e não adianta ficar dizendo que o país é bom para fazer negócios, como repete Keir Starmer, e aumentar taxas e regulamentações.
Não é uma política brilhante espantar os ricos que podem investir na economia, espezinhar os aposentados pobres que vão pagar mais pela calefação ou passar frio e aumentar salários de funcionários públicos que oferecem serviços ruins, como as consultas médicas por telefone que já viraram a conduta padrão desde a pandemia.
Logo depois que assumiu, Starmer mandou tirar um retrato pintado de Margaret Thatcher da residência oficial. Tem, como toda a esquerda, ojeriza a ela. Talvez tenha provocado com isso uma praga daquelas bem bravas.
E faz apenas dois meses que ele assumiu.