Ela abortou sua filhinha perto dos nove meses de gestação. O que merece?
Caso de Carla Foster, condenada a dois anos e quatro meses de prisão na Inglaterra, desencadeia um debate sem respostas fáceis
Com um tempo de gravidez calculado entre 32 e 34 semanas, Carla Foster mentiu para a enfermeira com quem falou por telefone durante a pandemia. Disse que estava com menos de dois meses. Recebeu os medicamentos abortivos pelo correio em maio de 2020. Tomou-os e entrou em processo de parto, tendo uma menina perfeitamente bem formada que nasceu morta.
Na segunda-feira passada, Carla Foster, agora com 44 anos, recebeu a sentença. Vai ter que cumprir em reclusão pelo menos a metade dos 28 meses a que foi condenada, período durante o qual seus três filhos ficarão sem a mãe.
O que o leitor faria nesse caso? O que é justo, certo, ético? Como deixar de pensar na mãe e como deixar de pensar na bebezinha morta no ventre?
Com maior capacidade de mobilização, defensoras do aborto estão tentando transformar Carla em mártir e mudar a legislação britânica, que já é extremamente liberal. Desde 1967, mulheres com até 24 semanas de gravidez — seis meses, um prazo em que prematuros têm chances de sobrevivência — estão protegidas de ser processadas. Nos casos de risco à vida da mãe e anomalias fetais, não há prazo.
Carla tem uma família unida, com pai e três irmãs, e trabalha num abrigo para animais, mas estava numa situação complicada: tinha voltado a morar com o companheiro, de quem havia se separado, por causa da pandemia, em Barlaston, uma cidadezinha do interior da Inglaterra. Não sabia se a criança era dele de um outro relacionamento. Tentou esconder a gravidez. Fez buscas na internet com perguntas do tipo “como perder um bebê com seis meses?”. Depois, “preciso de um aborto, mas já passei dos seis meses”.
A necrópsia da bebezinha indicou morte por substâncias abortivas.
O juiz Edward Pepperall lembrou que ela sabia da gravidez desde dezembro de 2019, mas só entrou em contato com o Serviço de Aconselhamento de Gravidez em maio de 2020.
Parlamentares e militantes feministas acham que Carla é vítima de um sistema que criminaliza uma mulher numa situação difícil. “Fez um aborto sem seguir os procedimentos corretos”, amenizou Stella Creasy, integrante do Parlamento pelo Partido Trabalhista. Obviamente, a expressão “procedimentos corretos” envolve matar um feto perfeitamente viável, com todas as probabilidades de ter pais adotivos brigando para lhe oferecer o que Carla achou que não podia dar.
Na justiça britânica, os juízes falam extensamente sobre suas sentenças e muitas vezes dão lições diretamente aos réus. No caso de Carla. Pepperall argumentou que não havia jurisprudência e que, teoricamente, poderia condená-la até à prisão perpétua.
“Você tinha um apego emocional forte por sua criança não nascida e é atormentada por pesadelos e flashbacks em que vê o rosto de sua criança morta”, disse ele. O juiz também registrou que Carla tem um filho com necessidades especiais.
O que Carla merece: compaixão ou punição por matar a própria filhinha?
Como envolve uma situação única, sem comparação com nenhum outro crime — uma mulher e um feto que se desenvolve em seu corpo, ardorosamente amado quando ela quer ser mãe, fortemente rejeitado quando ela não quer —, o aborto é um ato que não tem respostas fáceis. A gravidez e sua interrupção acontecem num espaço gradualista e muitos tendem a ter uma ética equivalente: admitem o ato, que obrigatoriamente acaba com uma vida em formação, quando a gestação está no começo. Só os muito radicais acham que, até o momento do parto, a mulher tem direito a fazer um aborto.
Em 2021, 89% dos abortos feitos na Inglaterra foram com menos de dez semanas de gravidez. O apoio à lei tal como existe atualmente é enorme: 85% da opinião pública. Como somos humanos, muitos provavelmente não querem saber dos detalhes tétricos — fetos esmigalhados por sucção e tirados aos pedaços do corpo da mãe.
Os medicamentos abortivos acabaram com muitas das operações mais chocantes. Ao mesmo tempo em que os abortos se refinaram, as técnicas de imagem da vida intrauterina avançaram a ponto de mostrar traços definidos do rostinho, do narizinho, do dedinho na boca de um feto de 5,4 centímetros — o tamanho médio aos três meses de gravidez.
A ciência corre em outros sentidos também e a discussão do momento é a criação, em Israel e na Inglaterra, de embriões “sintéticos”. Por causa disso, foi lembrada uma frase do embriologista britânico Lewis Hoppert: “O momento mais importante da sua vida não é o nascimento, o casamento ou a morte, mas a gastrulação”. Esse momento ocorre aos catorze dias do encontro entre um espermatozoide e um óvulo e a partir do conglomerado de algumas centenas de células é traçado o primeiro esboço do indivíduo único que irá se desenvolver no útero.
O que mais a ciência nos revelará?
Há pessoas que passaram a vida inteira sem parar para pensar na defesa ao aborto — e mudaram de ideia quando se depararam com os fatos que a honestidade intelectual demanda ou a ciência apresenta. Outras acham um atraso de vida sequer discutir a questão. Consideram que aborto é sinal de progresso social ou, fatalisticamente, que sempre vai acontecer, seja legal ou não.
Onde o caso de Carla Foster se encaixa?