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E se Putin estiver realmente disposto a cumprir ameaça de guerra nuclear?

É impossível negar que baixou um medo na Europa depois que o líder russo falou que 'não está blefando' quando diz que pode usar arsenal apocalíptico

Por Vilma Gryzinski 22 set 2022, 06h42

Todas as hipóteses são previsíveis até que aparece uma completamente imprevisível. Em geral, é a que causa mais estragos.

Por causa dessa realidade da vida, é obrigatório levar em consideração uma pergunta terrível: um Vladimir Putin humilhado na Ucrânia, com uma população revoltada com as perdas humanas e uma ala linha dura pronta para derrubá-lo, mostraria ao mundo que não estava blefando ontem, quando disse que recorreria a todos os meios para “defender” a Rússia de um perigo que ele mesmo criou?

Ninguém tem a resposta, embora a maioria dos analistas concorde que Putin continua a ser um agente racional e seu anúncio de ontem, de uma “mobilização parcial”, é um movimento que tem como objetivo principalmente as condições internas, de críticas abafadas ao andamento da guerra.

O Ministério da Defesa da Ucrânia, que dominou espertamente as artes da propaganda, chegou a ironizar: “A última vez em que a Rússia (o império russo) anunciou uma mobilização foi em agosto de 1914. Eles estão implorando por um bis”.

Mas o fato é que as reações internas ao anúncio da mobilização – reservistas que fizeram o serviço militar obrigatório abaixo de 35 anos e suboficiais abaixo dos 45 – foram parecidas com as que aconteceram no início da invasão. Nada que lembre o clima de rebelião espontânea, com soldados fuzilando oficiais nos campos de batalha da I Guerra, que levou à Revolução de 1917.

Houve manifestações de protesto, inclusive em cidades da Sibéria, a região mais pobre do país de onde saíram muitos dos combatentes atuais, teoricamente profissionais que assinam contratos. Em Moscou, um grupo reunido na rua Arbat entoou: “Mandem Putin para as trincheiras”. Os presos passavam de 1.400 na manhã de hoje. As passagens para os poucos lugares que ainda aceitam cidadãos russos sem visto, como Turquia, Armênia e Dubai, sumiram ou subiram até dez vezes de preço.

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Nada que altere o panorama atual. Se houver algum movimento contra Putin, será interno. Disso não há sinais conhecidos, embora o fato de que o discurso sobre a mobilização, anunciado para a noite de terça-feira, só tenha sido feito ontem de manhã, tenha provocado especulações que iam de um ataque incontrolável de tosse  a dissensões internas.

Enquanto o Kremlin acusa o golpe, a Ucrânia está num momento de moral alto com os avanços sobre áreas onde os russos se consideravam instalados para sempre. Nada menos que 87% dos ucranianos, “este povo tão nobre e mártir”, nas palavras do papa Francisco, depois de se enganar gravemente sobre os motivos da guerra e querer distribuir culpas entre os dois lados,  é contra concessões territoriais para terminar a guerra. O número aumentou, em vez de diminuir, desde a última pesquisa, mostrando o espírito de resistência que domina o país.

Sem a possibilidade de negociações, a guerra só poderia terminar com a derrota de um dos lados. A da Ucrânia é inadmissível para os aliados ocidentais, pois destruiria toda a ordem mundial do pós-guerra, nas palavras corretas de Joe Biden, e abriria as portas para o expansionismo russo, inclusive sobre países que já fazem parte da Otan. Se os três bálticos ou até a Polônia fossem atacados, a Otan estaria obrigada a responder – numa escalada que previsivelmente se tornaria nuclear. 

A Rússia putinista também não vai aceitar bater em retirada. Os mais recentes rugidos de Putin mostram que ele ficou mais fraco – e por isso mais perigoso.

Ameaçar o mundo de guerra nuclear não apenas é uma loucura, como disse o papa, mas também traz um elemento altamente desestabilizador para países como a China e a Índia. A China quer vender produtos, avançar em todas as esferas do desenvolvimento e superar os Estados Unidos como potência hegemônica por meios competitivos.

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Para quem vai vender sua produção fabulosa se metade do mercado consumidor tiver sido incinerado no holocausto atômico ou sob o inverno nuclear que exterminaria quase toda a vida humana no planeta ?

A transformação de Putin numa espécie de Kim Jong-un com mísseis nucleares melhores e maiores pode provocar o impossível: uma solução que envolva Estados Unidos e China para conter um homem que era frio, calculista e estratégico e hoje parece um perdedor do tipo “se eu afundar, todo mundo afunda comigo”.

O mantra de que “um Putin acuado é um Putin perigoso” é incessantemente repetido, mas o oposto também vale: tentar acuar Europa e Estados Unidos com ameaças nucleares provoca medo, mas induz igualmente à conclusão que ceder seria o pior negócio de todos. 

A guerra, obviamente, continua.

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