Dá para viver em paz com um povo que celebra autores de massacre?
Essa é a pergunta que paira sobre os israelenses envolvendo os 80% de opiniões positivas sobre o Hamas dos palestinos da Cisjordânia
Tanto políticos experientes quanto ingênuos que sonham com um mundo de paz e amor concordam que a solução de longo prazo para o problema mais premente do Oriente Médio é a criação de um estado palestino, com concessões das duas partes para garantir segurança e acomodação a todos os envolvidos.
Num mundo ideal, seria realmente auspicioso se surgissem líderes capazes de negociar esse acordo e uma mudança de paradigma. Gaza independente como parte de um estado palestino seria reconstruída pela Arábia Saudita, com tudo do bom e do melhor para a população estudar, trabalhar e focar num futuro de progresso.
A Cisjordânia igualmente focaria na construção, não na destruição. Todos rezariam onde quisessem – e se quisessem, uma das mais importantes garantias democráticas. A economia criativa de Israel produziria muito mais riquezas, palestinos procurariam fazer a imitação do bem e todos ganhariam com os turistas que viriam se deslumbrar em Jerusalém, a eterna, admirar em Belém o lugar em que a tradição diz que Jesus nasceu e quem sabe pegar uma praia num dos novos hotéis de Gaza, à beira do Mediterrâneo.
No mundo real, isso tudo parece não apenas distante, mas impossível. Uma pesquisa da Universidade Birzeit mostra que 68% dos palestinos da Cisjordânia, o principal território de um futuro estado, apoiam fortemente as chacinas praticadas em 7 de outubro e 16% apoiam parcialmente.
Sobre as diferentes facções armadas que operam na Cisjordânia e em Gaza: as Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa têm 80% de aprovação; Jihad Islâmica Palestina, 84%; Brigadas Al-Qassam, 89%. Foram estas últimas as autoras das atrocidades em território israelense. Nada menos que 90% dos entrevistados responderam que “a coexistência está ficando crescentemente impossível”.
Em compensação, a Autoridade Palestina, que tem autonomia administrativa na Cisjordânia, conta com apenas 10% de aprovação. A Fatah, o partido dominante, 23%. Não soa muito auspicioso para os planos que os Estados Unidos estão tentando fazer Israel aceitar de colocar uma Autoridade Palestina “revitalizada” para administrar Gaza, depois que o Hamas perdesse a capacidade operacional.
Sobre os irmãos árabes, as opiniões não são melhores, principalmente em relação aos que se aproximaram de Israel: 96% desaprovam os Emirados Árabes Unidos, quase empate com a Arábia Saudita com 95,5%, Egito tem 84,6% de rejeição e Jordânia, 75,6%
Nada surpreendentemente, as opiniões também endureceram em Israel. Antes da liberrtação dos reféns, apenas 10% dos israelenses judeus apoiavam um cessar-fogo para facilitar a liberdade dos capturados – ou seja, no mais sensível de todos os aspectos dessa guerra, a população tem majoritariamente uma posição dura. A trégua que permitiu as primeira trocas de reféns por prisioneiros palestinos é um capítulo diferente e a grande exultação nacional que provocou indica que talvez outras concessões sejam aceitas.
Sobre negociações com a Autoridade Palestina, o apoio caiu de 47% em setembro para 24% depois dos aterrorizantes acontecimentos de 7 de outubro. É o índice mais baixo desde 2001.
Mais: 57,5% acham que as Forças de Defesa de Israel estão usando pouco poder de fogo em Gaza.
O apoio à coexistência de dois estados caiu de 37,5% em setembro para 28,6%. Entre os israelenses árabes, o apoio é muito maior, na faixa, atualmente, de 70,9%.
Posições tão duras, dos dois lados, fazem temer que depois da guerra não haja uma reversão significativa.
Em meio à euforia pelos grupos de reféns libertados, passou quase despercebido um acontecimento de alto poder simbólico: o Hamas executou a tiros três palestinos em localidades da Cisjordânia, acusados de dar ao Exército e ao serviço de segurança de Israel informações sobre indivíduos procurados. Os corpos depois foram pendurados em torres de transmissão de eletricidade. Em volta, uma multidão aplaudia e comemorava.
Ou seja, o Hamas não só continua a operar numa área à qual Israel tem acesso, em princípio, como escolheu um momento significativo para mostrar isso.
“Se é assim que tratam sua própria gente, que chances teriam os judeus?”, tuitou o jornalista David Collier, resumindo um sentimento que as pesquisas, dos dois lados, refletem: o momento é de rejeição mútua. E não há perspectivas próximas de melhora. A única alternativa seria o surgimento de líderes palestinos que mostrem ser muito melhores do que os terroristas atualmente celebrados e concitem a população a coexistir. Israel também precisaria de uma renovação e de líderes fortes para conduzi-la.
Em meio à guerra, nada disso pode nem remotamente sequer ser cogitado.