Como um lugar com 800 habitantes lida com 10 mil visitantes por dia? Fazendo protestos bem educados e reclamando providências. Ou até erguendo uma cerca para dissuadir os turistas a tirar a infame selfie para a qual todos querem posar.
É só ver qualquer foto de Hallstatt para entender por que a cidadezinha dos Alpes austríacos inspirou o reino gelado da princesa Elsa, a favorita de todas as meninas do planeta. E de seus pais também. E dos adolescentes que igualmente gostam de Frozen. Mais os que nem viram as animações da Disney, mas descobriram a beleza quase inacreditável da cidadezinha espremida entre a montanha e um lago translúcido, com absolutamente tudo no lugar certo. Exceto os turistas que não param de chegar.
“Chegamos a um ponto em que esgotamos nossas possibilidades. Só conseguimos administrar a metade do número de turistas que chegam aqui”, disse o prefeito Alexander Scheutz, um dos participantes do último protesto. “Limitamos o número de ônibus a 45 e temos vagas para 450 carros, mas atingimos rapidamente o número máximo”.
A pequena Hallstatt entra assim para a lista de grandes cidades que consideram não suportar mais a quantidade de turistas, inclusive Barcelona, Veneza e Amsterdã.
A mais bela do mundo, Veneza passou a cobrar “pedágio”, com preço dependendo da lotação. Amsterdã fez uma campanha no começo do ano, dirigida a um tipo específico de turistas: beberrões ingleses, com idade de 18 a 35 anos, andando em grupos que caem pelas ruas, envolvem-se em brigas e ganham a fama de os segundos mais indesejados do mundo depois que as sanções pela invasão da Ucrânia resolveram o problema dos que ocupavam o topo da lista.
“Não venham”, dizia a campanha. A cidade também resolveu proibir o consumo de maconha nas ruas do bairro da luz vermelha — duas das principais atrações para os tais turistas indesejados, homens sozinhos ou em grupo boquiabertos com um tipo de prostituição que não existem no seus países. Aliás, a própria maconha liberada está sendo revista.
“Os moradores do centro histórico são perturbados estruturalmente e excessivamente pelas multidões”, disse a administração municipal na época.
O mesmo problema atormenta moradores das áreas da balada em Barcelona, praticamente sitiados em suas casas. A era Airbnb também criou as “hordas de rodinhas”, turistas que alugam apartamentos em bairros muito desejados e provocam um tráfego constante com sua malas de mão. Como é muito vantajoso financeiramente alugar apartamentos centrais, os moradores locais vão morar em bairros mais distantes, o comércio local acaba prejudicado e até creches e escolas fecham as portas porque o número de crianças diminui radicalmente. Os moradores que permanecem perdem qualidade de vida.
Ver multidões no Louvre ou na Torre Eiffel faz parte do show de Paris, mas quando um lugar lindo como a Île Saint-Louis vira uma espécie de aldeia do Asterix, com os moradores transformados em resistentes, ouvindo dia e noite o barulho das rodinhas, alguma coisa está errada.
É claro que os turistas inconvenientes são sempre os outros. Nós somos os civilizados, que respeitam as regras e a cultura dos locais visitados e não vomitam pelos cantos.
Pois somos todos exatamente parte do mesmo problema: como manter a atividade que segura a economia de um grande centro histórico como Paris (15% da geração de renda vem dos 44 milhões de visitantes anuais) ou de uma invenção turística como Cancún (49%)? Como é possível um lugar relativamente pequeno e de natureza delicada, como as maravilhosas Ilhas Baleares, receber 1 500 voos diários no auge da temporada?
O jornal El País registrou que as ilhas espanholas alcançaram agora em agosto o “imperfeito” equilíbrio de 1,1 milhão de habitantes para 1,1 milhão de visitantes. E uma parcela deles formada pelos tais “indesejáveis”, os ingleses arruaceiros que inventaram até uma prática chamada “balconing”. Consiste em pular da sacada do hotel para a piscina. Não pode, evidentemente, dar certo. Nem o deslocamento de policiais britânicos para dar uma força aos espanhóis segura os transbordamentos de euforia. Lugares inteiros da Espanha foram degradadas pelo turismo movido a bebida barata, com um bar grudado no outro e bebedeiras seriais.
Moradores de Palma de Mallorca inventaram algumas peças, como cartazes em inglês avisando sobre fictícios ataques de águas-vivas e desabamento de rochas em praias. Efeito nenhum, claro.
Viajar é uma das experiências humanas mais enriquecedoras: a renovação das paisagens exteriores também tem efeitos na nossa vida interior e promove a abertura a hábitos, estilos de vida e culturas diferentes. Ou nos dá motivo para criticar os locais, outra consequência irresistível do turismo. Mas não é nada agradável sentir que estamos provocando um desequilíbrio profundo nos lugares visitados — ou sendo explorados mais além da cota previsível em períodos de alta temporada, como num dos casos mais infames do mundo, o restaurante de Mikonos, a linda e movimentada ilha grega, onde um prato de ostras podem custar 25 euros (por crustáceo).
Não fique num restaurante onde os cardápios não têm preços, cheque se as ofertas do Airbnb são dirigidas a diferentes nacionalidades para não se hospedar na “Inglaterra do Mediterrâneo” ou na “Ibiza teutônica”, sem nenhuma diversidade, e tente resistir a modismos como o desencadeado pela série White Lotus, que encheu Taormina, na Sicília, de visitantes de primeira viagem.
E saiba que até as narrativas podem ser distorcidas.
Por exemplo, a cidadezinha que realmente inspirou Frozen é Arendal, na Noruega, igualmente linda e mágica. Por que a austríaca Hallstatt passou a ocupar um lugar na imaginação dos turistas como o modelo original?
Muitos moradores talvez pensem simplesmente: por que Elsa não aparece na vida real e cerca tudo com muralhas de gelo?