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Como seria um futuro governo de Donald Trump? O que ele fala se escreve?

Tarifas, protecionismo, deportação em massa e política externa indefinida: o candidato é exagerado, mas algumas linhas estão definidas

Por Vilma Gryzinski 29 out 2024, 07h15
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  • Donald Trump já foi presidente uma vez e o mundo não acabou. Ao contrário, ele tem a chance de ser eleito de novo justamente porque aparece em posição de vantagem em termos de comando da economia, o aspecto mais importante para os eleitores.

    A eleição está apertadíssima, mas o progressivo aumento das intenções de voto, embora lento, agora virou o jogo, com uma vantagem de apenas 0,2 ponto, segundo a média das pesquisas do RealClearPolitics, num total, de 48,6% para ele contra 48,4% para Kamala Harris. É bastante possível que não haja mais tempo para a tendência mudar, embora as diferenças mínimas, principalmente nos estados-chave, recomendem prudência.

    Também é possível que, num quase empate, Kamala ganhe por 270 votos no Colégio Eleitoral contra 268.

    Caso Trump ganhe, como governará?

    De forma geral, Trump defende um dos fundamentos do pensamento liberal em economia. Num resumo bem simples, acredita que os empreendedores devem ser incentivados para que seus negócios prosperem e assim criem mais oportunidades de emprego e de crescimento econômico.

    “OLHO POR OLHO”

    Pretende, assim, repetir o que fez no primeiro mandato: diminuir o imposto para empresas de 21% para 15% – Kamala Harris, ao contrário, prometeu um aumento para 28%.

    Mas nem tudo em Trump segue o manual do bom liberal. O protecionismo é uma dessas contradições. O ex-presidente já disse que “tarifas é a palavra mais bonita do dicionário”. Prometeu um tarifaço de 10% a 20% sobre todas as importações, o preço “pelo privilégio de ter acesso ao maior mercado do mundo”.

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    Nem é preciso dizer que seria péssimo para o Brasil, que precisa desse “privilégio”, inclusive para não se tornar excessivamente dependente das exportações para a China.

    E contradiz diretamente a promessa de Trump de amenizar os efeitos que os 20% de inflação da era de Joe Biden tiveram sobre o bolso dos americanos. Se o preço dos produtos importados sobe – e o gigante americano importa nada mais de 3 trilhões de dólares por ano, mais do que o PIB nominal do Brasil -, o aumento é automaticamente repassado para os consumidores.

    E se os países afetados retaliarem? “Vamos introduzir a Lei Trump da Reciprocidade Comercial. Chama-se olho por olho”, afirmou ele no comício de domingo no Madison Square Garden.

    MANÁ PRODIGIOSO

    Trump estava possuído pela generosidade típica das campanhas e também prometeu deduzir do imposto de renda os juros pagos pelos consumidores sobre empréstimos para comprar carros e benefícios fiscais às pessoas que cuidam de membros da família adoentados. “Ninguém nunca pensa nelas”, disse, com razão.

    Mas tudo remete aos hábitos nada sóbrios de sucessivos governos que redundaram numa dívida de 36 trilhões de dólares, um assunto que Trump simplesmente riscou de sua lista de preocupações – Kamala, claro, nem pensa em falar nisso porque é da escola dos incentivos governamentais em massa.

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    Um desses incentivos, o New Deal Verde, uma referência que Biden e companhia pretendiam estabelecer entre o alquebrado presidente e o herói democrata Franklin Roosevelt, será cortado por Trump. Pelo menos, é o que prometeu.

    Não é pouca coisa. Ao todo, o projeto de transição para energias renováveis – um prodigioso maná caído do céu para todas as empresas que embarcaram no processo – custaria ao longo de anos mais de 50 trilhões de dólares. Dá para imaginar o pânico de todos os grandes investidores que esperam o maná cair em suas hortas? E como se mobilizam contra Trump?

    DIÁLOGOS IMAGINÁRIOS

    Em vários aspectos, Trump tem ideias parecidas com as do presidente Lula da Silva: gosta de Vladimir Trump, não gosta de Volodymyr Zelensky, quer diminuir a taxa de juros e furar o solo para tirar petróleo em áreas que deixam os ecologistas loucos (mas, claro, só no caso do americano).

    Um dos maiores enigmas é como enfrentará problemas graves da política externa. Nessa campanha, ele tem se limitado a dizer que o Ucrânia não teria sido invadida e não haveria o atual conflito no Oriente Médio se ele fosse presidente.

    Para reforçar, inventa diálogos imaginários que teria tido com Putin e Xi Jinping. Ao presidente russo, teria dito que, se invadisse a Ucrânia, “vou explodir essas malditas cúpulas acima da sua cabeça; somos amigos, não quero fazer isso, mas vou fazer”. Não usou exatamente a palavra “malditas”, mas é extremamente improvável que o diálogo tenha ocorrido.

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    Com Xi também houve um diálogo imaginário, ameaçando-o com guerra tarifária geral se bloqueasse Taiwan. “Ele me respeita e acha que sou louco”, afirmou num encontro com o conselho editorial do Wall Street Journal.

    Uma guerra tarifária assim seria, obviamente, catastrófica para os Estados Unidos.

    Mais recentemente, Trump tem se alinhado com a minoria republicana que critica o envolvimento na Ucrânia, um grave erro de entendimento sobre a importância, para os Estados Unidos, de manter a ordem global.

    EXAGEROS DE CAMPANHA

    Em muitos aspectos, Trump é justamente um sabotador da ordem constituída e muitas de suas promessas têm um aspecto de marketing. Como ele deportaria dez milhões de pessoas que entraram ilegalmente nos Estados Unidos durante o governo Biden? Quais – e quantas – seriam as forças de manutenção da ordem que poderiam identificar, localizar e deportar uma quantidade tamanha de gente?

    Prometer que vai fazer isso tem uma óbvia vantagem eleitoreira e explora um repúdio generalizado, inclusive entre eleitores do Partido Democrata, diante do descontrole total na fronteira dos Estados Unidos com o México.

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    Quando Trump foi eleito presidente, em 2016, a jornalista Salena Zito deu uma das explicações mais convincentes para a vitória que deixou a maioria da mídia em estado de choque. “A imprensa o leva ao pé da letra, mas não a sério; seus eleitores o levam a sério, mas não ao pé da letra”.

    Quanto do que ele promete agora em campanha deve agora ser levado a sério? O que ele fala se escreve ou muito deve ser atribuído aos exageros naturais – ou, no caso dele, turbinados – de campanha?

    GENERAIS LEAIS

    Só poderemos ter certeza em duas circunstâncias: se ele ganhar de Kamala Harris e quando começar um hipotético segundo mandato.

    Do total de catorze pesquisas da “cesta” do RealClearPolitics, Trump está à frente em seis, Kamala em quatro e três estão empatadas. Na média, Trump passou à frente no sábado, 26. Faltam exatamente sete dias para a eleição, mas mais de 50 milhões de americanos já votaram – e talvez os dados já tenham sido jogados.

    Os democratas estão apostando tudo em chamar Trump de nazista, um absurdo que trivializa os horrores do verdadeiro nazismo, mesmo com as declarações altamente prejudiciais do general John Kelly, que foi chefe de gabinete do ex-presidente. Segundo Kelly, Trump disse que “Hitler fez coisas boas” e que gostaria de ter generais leais como os do monstro nazista.

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    Por que Kelly não pediu demissão imediatamente e esperou a véspera da atual eleição para soltar sua bomba? Se alguém elogia Hitler, a única alternativa que resta a um subordinado honrado é cair fora. Depois de deixar bem claro, entre outras coisas, que a lealdade cega dos generais – apesar dos que tentaram matar Hitler – arrastou a Alemanha para o desastre da invasão mal planejada da União Soviética e, depois, a destruição total.

    Outra aposta dos democratas é no efeito negativo que as piadas ofensivas – e sem graça – contadas por um humorista desconhecido no comício em Nova York detonem o voto latino em Trump.

    Trump, obviamente, já enfrentou coisa muito, muito pior.

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