É fácil ver quando alguma reportagem ou outra manifestação sobre a próxima eleição presidencial na Colômbia está intrinsecamente distorcida: basta que contenha a palavra “petrofobia”. Se o candidato da direita – uma direita à moda dele – ,Rodolfo Hernández, for chamado de nazista, o atestado está completo
O termo “petrofobia” foi inventado para dizer que o candidato de esquerda, Gustavo Petro, desperta um medo sem bases na realidade.
“É um medo irracional que pesa mais que um governo populista, como o que Rodolfo Hernández propõe”, escreveu María Jimena Duzán no El País. Sem esconder a torcida – perfeitamente válida, desde que os fatos sejam comprovados -, ela descreveu Hernández como “um ricaço de 77 anos, admirador de Hitler”.
É má fé. Hernández, milionário da construção civil, pediu “mil desculpas à comunidade judia e a todos os colombianos”, por ter se declarado, em 2016, um seguidor do “grande pensador alemão que se chamava Adolf Hitler”. Ele pretendia dizer Albert Einstein – e a frase citada é aquela sobre não fazer a mesma coisa se buscamos um resultado diferente.
Pode ser um sinal de senilidade ou de descontrole verbal, como é frequente acontecer com Joe Biden. Mas nenhuma pessoa que escreva sobre a Colômbia pode ignorar que foi um lapso. Que aspirante a um cargo político eletivo declararia admiração por Hitler?
De maneiras diferentes, também é errado dizer que a “petrofobia” é infundada. Petro fala manso e de maneira racional, sem as palhaçadas dos populistas latino-americanos. É um candidato com algumas boas propostas e outras discutíveis – exatamente por isso o relativamente noviço Hernández passou à frente dele, por uma pequena diferença.
Não dá para cravar qual será o resultado do segundo turno, no dia 13. Mas dá para lembrar os horrores que a extrema-esquerda, da qual Petro foi um militante armado, provocou na Colômbia – daí o medo justificado de que ele, mesmo depois da autocrítica e da adesão à política por meio do voto, não da Kalashnikov, volte a mergulhar o país na violência.
Como o El País é um grande jornal, publicou uma ótima entrevista com o escritor William Ospina, sobre sua opção, considerada estranha para um intelectual de esquerda: “Apoio Hernández sem satanizar Petro”.
Por quê? “O país passou muito tempo dividido por facções quase irreconciliáveis e isto foi nefasto”.
“Neste momento – embora muitas coisas que a campanha de Petro diga sejam válidas e embora não duvide de que exista uma vontade sincera de mudança -, a proposta de Petro desata muitas resistências, provoca muita oposição num setor da sociedade. Penso que seria muito difícil abrir caminho para a seu projeto, pela resistência que provoca”.
“E me parece que o engenheiro Hernández tem uma posição que não provoca tantas resistências e que igualmente quer fazer transformações”.
Há bons motivos para ter pouca confiança em Hernández e para acreditar que Petro verdadeiramente abraçou a democracia, sem se deixar contaminar pelo bolivarianismo à la venezuelana com o qual tanto quer se aproximar.
Mas o legado da esquerda armada é pesadíssimo. Só para lembrar: a maioria dos colombianos rechaçou nas urnas a proposta de conciliação com as Farc, o grupo guerrilheiro que continuou a lutar muito tempo depois que isso tinha saído do universo político latino-americano.
O acordo foi feito, de qualquer maneira, e pacificou em grande parte o país. Por causa dele, oito líderes guerrilheiros admitiram no ano passado perante a Jurisdição Especial para a Paz que praticaram crimes de guerra e de lesa-humanidade. Entre eles, nada menos que 21 396 sequestros. É isso mesmo: mais de 21 mil pessoas foram sequestradas pelas Farc, que tinham nessa prática uma forma de financiamento, juntamente com extorsões e pedágios de drogas.
Também foram admitidos maus tratos aos sequestrados, abusos sexuais e deslocamentos forçados – uma forma jurídica de descrever o terrível dano causado a agricultores pobres obrigados a deixar suas terras ou entregar seus filhos à guerrilha.
Uma surpresa na “confissão”: o assassinato de Álvaro Gómez Hurtado, político conservador, filho de um ex-presidente e ele próprio candidato presidencial. Em 1988, passou 53 dias sequestrado pelo M-19 – o grupo de Gustavo Petro. Em 1995, foi morto a tiros ao sair da universidade onde lecionava. “Era considerado por nossa organização um objetivo militar e um inimigo de classe”, declararam os ex-guerrilheiros das Farc ao reconhecerem o crime.
Ao todo, calcula-se em 220 mil o número de mortos no “conflito armado interno da Colômbia”, envolvendo diferentes grupos guerrilheiros, forças policiais e militares, organizações paramilitares e traficantes de drogas.
Um dos motivos da popularidade de Álvaro Uribe, que só agora perdeu seu lugar no topo da vida política colombiana, foi justamente conseguir uma vitória militar sobre as Farc.
Ninguém poder negar que os abusos do lado da repressão foram igualmente traumáticos.
O pior já passou, mas não é irracional que muitos colombianos temam um candidato de esquerda que foi da guerrilha.
“Não deixa de ser paradoxal que em um país onde se perdoam massacres e onde se criam justiças especiais para processar crimes terríveis, uma bofetada continue a ser imperdoável”, disse William Ospina, instigado a condenar o candidato que o convidou para ser ministro da Cultura, caso seja eleito, pelo caso – viral – do tabefe que deu um vereador quando era prefeito de Bucaramanga.
“Prefiro a vitória de Rodolfo Hernández porque acho que vai ser mais fácil para ele fazer mudanças fundamentais que a Colômbia precisa”, insistiu o escritor.
É uma aposta arriscadíssima, sujeita a ser cruelmente desmentida pela realidade, no caso, até há poucas semanas impensável, de que o construtor seja eleito presidente. Ele poderá se mostrar uma fraude política, um destemperado, um despreparado para o cargo. Mas “nazista” não dá.