Uma jornalista pode manter alguma coisa que não seja relação profissional com os políticos sobre os quais faz reportagens? Obviamente, não. E, obviamente, acontece. A convivência acaba gerando atrações irresistíveis, seja em Washington, seja em Brasília.
Mas não deixou de ser uma surpresa quando o New York Times anunciou a licença de uma das estrelas da revista semanal do maior jornalão do mundo, Olivia Nuzzi, depois de “revelar um relacionamento pessoal” com Robert Kennedy Jr., o membro do clã histórico que desistiu de ser um candidato alternativo e declarou apoio a Donald Trump, para horror da maioria de seus familiares e também da imprensa simpática ao Partido Democrata, ou seja, a maioria da mídia.
Olivia, que cobria Washington para a revista, disse que se encontrou apenas uma vez com Bobby, como é chamado, para fazer um perfil devastador dele. O relacionamento nunca foi físico, disse. O que aconteceu? Todo mundo sabe que foi sexting, a troca de mensagens picantes. E fotos também, segundo dois veículos. Ele se pavoneou a respeito e, assim, a história chegou à direção do Times, segundo uma versão corrente. Diz o Daily Beast que ela negou tudo, várias vezes, até admitir o envolvimento.
Logo depois da revelação, Ryan Lizza, do altamente influente portal Politico, disse que também estava se afastando da cobertura de eventos ligados a Kennedy por causa da “minha conexão com essa história através da minha ex-noiva”.
Foi assim, muito publicamente, que se descobriu que o compromisso havia sido rompido, um elemento a mais para atiçar a curiosidade do mundo jornalístico, onde histórias sobre relacionamentos entre colegas provocam o mesmo interesse do que em qualquer outra profissão, com a diferença que envolvem profissionais especializados em escavar informações.
Detalhe: o próprio Lizza foi demitido pelo New York Times em 2017, por “conduta sexual imprópria”. A ironia de que agora apareça como o traído no caso da ex-namorada, uma loira de 31 anos, presença imponente e texto cortante, não escapa a ninguém.
TUÍTES SIMPÁTICOS
Por causa do ambiente altamente informacional em que vivem os jornalistas, grassaram desconfianças de que o New York Times não poderia ignorar o envolvimento entre Olivia Nuzzi e Kennedy, ocorrido entre dezembro de 2023 e agosto passado, segundo o jornal.
Também não é verdade que ela não tenha tratado do “assunto”, com quem desenvolveu a tal intimidade: depois do perfil agressivo, publicado em novembro do ano passado, ela foi evoluindo para tuítes bem mais simpáticos a Kennedy.
Teria o Times aproveitado a oportunidade para tentar detonar Kennedy, que já era detestado pela esquerda por tirar votos de Joe Biden e passou a ser abominado depois que desistiu da candidatura própria e endossou Trump?
A imprensa americana já vinha escavando histórias antigas sobre o Kennedy “desviado”, criado no ambiente exótico do clã e numa casa – sem pai, assassinado em 1968, quando o filho mais velho tinha 14 anos – cheia de animais selvagens, inclusive falcões amestrados.
“SUCO DE BALEIA”
Surgiram assim histórias que parecem absurdamente condenatórias – e algo surreais. Por exemplo, voltou a circular uma entrevista de uma das filhas dele, Kathleen, do longínquo ano de 2012, contando como o pai encontrou uma baleia morta na praia, pegou uma serra elétrica, cortou a cabeça dela e levou para casa amarrada no teto do carro.
“Cada vez que ele acelerava, entrava suco de baleia pela janela”. Foi aberta uma investigação contra Kennedy por infração ambiental – justamente ele, um ambientalista com grande histórico de realizações. Como o cetáceo estava morto, escapou da importunação de baleia.
Outra história desencavada: um amigo do tempo de Harvard, o escritor Kurt Andersen, disse que Bobby, um jovem excepcionalmente bem apessoado e atormentado, era o vendedor de cocaína que os colegas procuravam na faculdade.
Tem que ser muito canalha para revirar esse tipo de comportamento da juventude, inclusive porque Kennedy enfrentou e superou, mais tarde, um problema gravíssimo de vício. Pretexto para a sordidez: “Se Trump se tornar presidente, como agora Kennedy está trabalhando para acontecer, quer começar a fuzilar traficantes de drogas. Disse isso num discurso de 2018 e repetiu em 2022”. Inferência absurda: teria que mandar executar seu novo aliado. Claro que nenhum presidente americano pode “mandar executar” cidadãos.
ONDA DE BOATARIA
O caso virtual de Bobby Kennedy com a repórter da revista do New York Times coincide com vários rumores envolvendo o mundo Trump. Primeiro, a boataria sobre o ex-presidente e Laura Loomer, uma arrivista que começou a desfilar ao lado dele e chegou a acompanhá-lo em seu avião para ir ao debate com Kamala Harris. A história, negativa para Trump. sobre imigrantes haitianos comendo animais de estimação numa cidade do interior é atribuída à influência dela. Nem sombra de Melania Trump nos eventos em que Laura aparecia bem próxima dele – ao que tudo indica, uma presença que já foi cortada pela assessoria de Trump.
O filho mais velho do ex-presidente, Donald Trump Jr., também foi fotografado muito próximo de uma socialite da Flórida, longe de sua companheira, Kim Guilfoyle.
Uma jornalista do Substack, Jessica Reed Kraus, conhecida de Olivia Nuzzi e de Bobby Kennedy, relatou a suspeita de amigos dele que tudo foi uma armadilha da repórter. Foi dela, dizem, a iniciativa de usar um tom sedutor com Kennedy, de mandar uma foto íntima sem solicitação e de pedir vários encontros, sem sucesso.
Relacionamentos extraconjugais pululam nos bastidores da política e à vezes viram escândalos, como o que envolveu Bill Clinton e a estagiária Monica Lewinsky, um caso que até deu pedido de impeachment – negado, mas formidavelmente rumoroso.
O ex-deputado Anthony Wiener mandava fotos explícitas para várias mulheres e acabou rodando quando um tabloide colocou uma suposta menor para interagir com o personagem virtual que ele criou, chamado Carlos Danger. Wiener acabou separado da mulher, Huma Abedin, influentíssima assessora de Hillary Clinton. Agora, Huma vai se casar com Alex Soros, filho e herdeiro do projeto político de esquerda do multibilionário George Soros.
Detalhe irônico: Olivia Nuzzi foi estagiária de uma campanha fracassada de Anthony Wiener para prefeito de Nova York.
CASCA RESISTENTE
Robert Kennedy Jr. é casado com a atriz Cheryl Hines, a mulher de Larry David na série Curb Your Enthusiasm. Ela se tornou rejeitada no ambiente artístico, maciçamente progressista, por causa do marido, que antes da candidatura fazia campanhas contra todo tipo de vacinação. Agora, não deve estar nada satisfeita com as revelações sobre a proximidade dele com a repórter da revista do Times.
O clã em peso apoiou Joe Biden e agora está do lado de Kamala Harris.
Querem saber as fofocas sobre Kamala?
Não vamos falar disso aqui. Mas existem e o objetivo é destruir a reputação dela, uma estratégia comum dos adversários, particularmente acirrada quando envolve mulheres.
O mundo da política é impiedoso e exige uma casca extremamente resistente. Kennedy, um homem atlético de 70 anos, com tantas opiniões divergentes das predominantes, está mais do que acostumado a ser destroçado pela imprensa.
A turma de Kennedy agora começa a pintar uma armadilha deliberada da repórter que fez picadinho dele quando o entrevistou e depois, segundo Jessica Reed Kraus, se tornou “obcecada” por ele. O lado oposto, tenta mostrar um homem que se exibia com a conquista da repórter agressiva. Qual versão prevalecerá? E não haverá algo de verdade em ambas?