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Assim, nem a lei da gravidade escapa

A simplificação de complexidades históricas distorce a visão

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 19 jun 2020, 12h16 - Publicado em 19 jun 2020, 06h00
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  • Pode alguém ser visceralmente contra o racismo e também abominar a retirada ou derrubada de estátuas de personagens históricos? Não só pode como a maioria das pessoas pensa assim, segundo mostram pesquisas de opinião pública na Inglaterra e nos Estados Unidos, os países onde a recente onda de iconoclastia formou um tsunami.

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    Isso deixa um problema em aberto: como manter os monumentos que outros tantos consideram ofensivos? Talvez um passeio pela Praça de Westminster, o espaço de alta concentração de estátuas no coração de Londres, nos ajude a entender as complexidades históricas e as personalidades que as escreveram — algumas literalmente, como Winston Churchill, que disse que pretendia deixar escrito seu próprio lugar na história. Disse e fez, magnificamente. O envoltório de laminado plástico que deixou a estátua de Churchill na praça parecida com um banheiro químico incendiou o debate. A estátua foi embrulhada depois de ser pichada com a frase “Era racista”. Para protegê-la, mas também num gesto simbólico de rendição à versão britânica do Black Lives Matter, que já tem uma lista de estátuas e placas comemorativas a ser varridas do espaço público com 93 nomes. O homem que salvou a Inglaterra de se dobrar ao nazismo era, com certeza, racista, imperialista e islamofóbico. Alcoólatra também, se julgado pela quantidade de bebida que era capaz de ingerir todos os dias, iniciados com uma taça de champanhe Pol Roger no café da manhã.

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    “Gandhi empacotado? Ele escreveu palavras de cunho racista sobre os negros da África do Sul”

    Com a praça esvaziada de pedestres e turistas pelo vírus, talvez dê para ouvir as estátuas conversando. O que diria Churchill a Mahatma Gandhi, seu companheiro de praça e de empacotamento. Em vida, quando a Índia já caminhava para a independência — e o desmoronamento do império britânico —, ele criticava Gandhi por ser um advogado típico da City londrina “posando de faquir e andando seminu”. Pode ser que agora se entendam melhor. Ambos foram capazes de praticar a grandiosidade. Agora, dividem o embrulhamento. Gandhi empacotado? Pois o indiano disse e escreveu palavras de cunho racista sobre os negros da África do Sul, onde viveu.

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    O mesmo país também poderia protagonizar outro diálogo imaginário na praça: Nelson Mandela, igualmente encaixotado, com seu sorriso beatífico, e o segregacionista reformado Jan Smuts. Como os dois sul-africanos foram acabar na mesma praça resume o arco histórico dos últimos setenta anos. Não faltaria assunto para Smuts, ex-primeiro-­ministro e líder da minoria branca que acabou rejeitando o apartheid, e Mandela, o homem que o enterrou.

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    Quanto mais recentes, mais pavorosas vão ficando as estátuas. Dá até pena da feiura da versão de bronze da sufragista Millicent Fawcett. E ela que não se sinta livre de ser julgada por padrões morais contemporâneos. A única mulher da praça, inaugurada em 2018, era uma apaixonada pelo império britânico. Se alguém, a caminho de lá, passar por Isaac Newton na frente da Biblioteca Britânica, deixe um aviso. O mais prodigioso entre tantos prodígios da ciência tinha ações da South Sea Company, a parceria público-privada que dominou o tráfico de escravos no século XVIII. O Newton nu e bombadão, versão de pedra da gravura de William Blake, que se cuide. Até a lei da gravitação universal pode acabar derrogada.

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    Publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692

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