A direita unida teria uma boa chance de se tornar governo na França, depois do tresloucado gesto do presidente Emmanuel Macron de convocar eleições que sabe com certeza absoluta que seu partido vai perder. O que se desenha agora, ao contrário, é a possibilidade de que a frente de esquerda se torne o bloco mais votado, ultrapassando os 30%. É pior ainda para a França.
Em vez de união, a direita se engalfinhou numa briga de foice no escuro: os gaullistas tradicionais, do partido agora chamado Os Republicanos, revoltaram-se com seu presidente Éric Ciotti, e sua a decisão monocrática de juntar forças com a Reunião Nacional que tem um candidato forte no jovem Jordan Bardella. Ciotti foi deposto pelo comitê central, mas está contestando a decisão na justiça. Houve cenas de pastelão, com a ala revoltada usando uma chave reserva para entrar na sede do partido.
Marion Maréchal, que queria a reconciliação com a tia Marine Le Pen, foi expulsa como “a maior traidora do mundo” do Reconquista de Éric Zammour, hoje a verdadeira direita integrista – e, simultaneamente, pró-Israel.
A direita de Marine Le Pen e seu ungido Bardella não tem nada de liberal – lembrando que até a direita na França é de esquerda, em matéria de Estado grande e bonzinho, com a promessa de reversão do aumento da idade das aposentadorias, uma das poucas conquistas do governo Macron para garantir a sustentabilidade do sistema. Da boca para fora, o partido condena a invasão da Ucrânia, mas seus laços com Vladimir Putin são notórios. E seu europeísmo também parece de fachada.
Mas o pior de um governo Bardella/Le Pen seria o estado permanente de revolta dos segmentos esquerdistas, que são organizados e militantes na França, além de nada refratários a atos de violência. Os protestos contra um eventual governo Bardella mostraram isso, mais uma vez – sem contar que protestam, por antecipação, contra o que seria uma decisão dos eleitores franceses.
PROPOSTAS EXTREMISTAS
A França certamente entraria em surto, e isso antes das Olimpíadas, com a possibilidade de que as organizações esquerdistas arrastassem para o caos o grande fantasma, o “subúrbio”, como dizem os franceses. Os bairros habitados por imigrantes já são um problema permanente, imagine-se com um governo que é declaradamente contra a imigração. Entrariam em ebulição aberta.
A Nova Frente Popular, um nome reeditado para lembrar a época da união contra o fascismo, tem projetos mais radicais ainda. Aumento de 50 bilhões de euros em impostos a partir do dia que assumir, gastos anuais extras na casa dos 100 bilhões, salário mínimo líquido de 1 600 euros, redução da idade da aposentadoria para 62 anos.
Tudo feito para detonar as contas e a própria racionalidade de um dos integrantes da frente, o Partido Socialista, que conhece as realidades do governo e da vida, ao contrário dos maximalistas da França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon, hoje a principal força de esquerda do país.
Sem contar as propostas extremistas como aumentar a imigração e cortar a exportação de armas para Israel.
É claro que, na hipótese de conseguir ser a agrupação mais votada – hoje está na faixa dos 25%, conforme a pesquisa -, a esquerda vai começar imediatamente a se destroçar por dentro, como é não só habitual como inevitável. Uma frente unida entre socialistas, comunistas, verdes e ultraesquerdistas como os da França Insubmissa só pode acabar em briga.
IMPOSTO DE RENDA DE 90%
Sem contar um programa feito para quebrar o país.
O que diria o deputado François Hollande – o ex-presidente que saiu do esquecimento a que se relegou por aventuras extraconjugais e inanidade em geral para voltar à esfera da política – diante da proposta de 90% de imposto sobre rendimentos anuais a partir de 411 mil euros? Ele já tentou e desistiu.
Aliás, o que diria o futebolista Kylian Mbappé, que entrou no ramo do opiniacionismo? Vai entregar seus euros com alegria por ter frustrado os lepenistas ou, como todos os muito ricos, já tem seus esquemas bem armados, enquanto os apenas bem remunerados, aos quais caberia a única saída para a França – a dinamização econômica e a inovação -, tomam o caminho dos Estados Unidos?
Uma pesquisa da Harris Interactive dá 34% dos votos para a Reunião Nacional (de 235 a 265 deputados entre os 577 da Assembleia Nacional), 22% para a Nova Frente Nacional (115 a 145) e 19% para o partido de Macron (de 125 a 155, em comparação com os 249 atuais). Os Republicanos elegeriam apenas 55 deputados, uma catástrofe,.
PÉ DE GUERRA
Um governo Bardella enfrentaria não só a frente unida de esquerda, os “subúrbios” e os bem pensantes, como a rejeição dos organismos internacionais a propostas como reduzir o imposto sobre consumo de 20% para 5,5% de gasolina, gás e eletricidade. Até o Banco Central Europeu poderia fritar os lepenistas e se recusar a comprar títulos franceses para acalmar os mercados.
Outras medidas que deixariam a esquerda em pé de guerra: expulsar criminosos estrangeiros, abolir benefícios para pais de adolescentes condenados, acabar com o direito à nacionalidade francesa aos que nascem em território nacional sendo filhos de pais estrangeiros. São propostas que fazem a popularidade de Bardella e companhia, mas não passam nem pela aprovação parlamentar nem pelas instituições europeias.
Ardilosamente, Jean-Luc Mélenchon espera que a direita populista enforque-se a si mesma e argumenta como se fosse um moderado do bem: “As pessoas repetiram durante dias e dias que eu era polarizador. Fui acusado de tudo, de antissemitismo, disso e daquilo. Eu nunca serei o problema, estarei sempre do lado da solução”.
Manifestantes reunidos para protestar contra o estupro de uma menina de doze anos, aparentemente por não ter dito ao ex-namorado que era judia, focaram nas declarações de apoio ao Hamas do potencial primeiro-ministro e entoaram: “Mélenchon, en prison”.
Qualquer que seja o resultado da eleição em primeiro e segundo turno, no próximo dia 30 e em 7 de julho, a confusão que Macron armou, à direita e à esquerda, tende a ser fenomenal.