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Riad Sattouf: ‘Não sou francês, muçulmano ou sírio. Sou quadrinista’

O cartunista Riad Sattouf (Crédito: Patrick Fouque/Paris Match via Getty Images) Meire Kusumoto e Ana Beatriz Rosa Continua após a publicidade Quando tinha apenas dois anos, Riad Sattouf entendia o pouco que uma criança da faixa etária consegue. Ele sabia que o mundo era um lugar cheio de admiradores gigantes — os adultos que se encantavam quando ele falava […]

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jun 2024, 00h13 - Publicado em 4 jul 2015, 12h09
O cartunista Riad Sattouf (Crédito: Patrick Fouque/Paris Match via Getty Images)

O cartunista Riad Sattouf (Crédito: Patrick Fouque/Paris Match via Getty Images)

Meire Kusumoto e Ana Beatriz Rosa

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Quando tinha apenas dois anos, Riad Sattouf entendia o pouco que uma criança da faixa etária consegue. Ele sabia que o mundo era um lugar cheio de admiradores gigantes — os adultos que se encantavam quando ele falava alguma palavra ou fazia alguma gracinha — e que morava com seus pais em Paris. Tudo mudou quando seu pai, doutor em história contemporânea pela Universidade Sorbonne, foi aceito como professor adjunto da universidade de Trípoli, na Líbia. Abdel-Razak Sattouf, nascido em uma pequena aldeia na Síria e cada vez mais desgostoso da vida que levava na França, não pensou duas vezes antes de voltar para o Oriente Médio e levar junto sua família. Assim, Riad cresceu entre dois mundos: suas lembranças de Paris e sua nova realidade, no país libanês; com sua mãe, francesa, e seu pai, sírio — mais tarde todos se mudariam novamente, dessa vez para a Síria. Essa é a maneira que o próprio conta sua história na graphic novel O Árabe do Futuro – Uma Juventude no Oriente Médio (1978-1984) (tradução de Debora Fleck, Intrínseca, 160 páginas, 39,90 reais), que divulga na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), neste sábado.

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No livro, o quadrinista trata do choque de culturas vivido por sua família, que saiu da França em 1980, então um país governado pelo socialista François Mitterrand, para testemunhar as ditaduras na Líbia de Muamar Kadafi, e na Síria de Hafez al-Assad. Mas quando fala do mundo árabe, prefere não se posicionar ou apresentar teorias sobre o assunto. “Não diferencio minha família francesa da minha família síria. Estou apenas falando sobre coisas íntimas. Não crio teorias sobre o mundo árabe, não tenho capacidade para isso”, diz o quadrinista ao blog VEJA Meus Livros. De forma similar ele responde quando é questionado sobre sua relação com a religião muçulmana: “Não tive a sorte (ou o azar) de ter sido tocado pela fé, em nenhum momento da minha vida. Mas estou vivendo bem dessa forma. Eu não me considero francês, ou muçulmano ou sírio, me considero um autor de quadrinhos”. O desenhista publicou durante oito anos uma série sobre o cotidiano dos jovens no semanário francês Charlie Hebdo, cuja redação foi atacada a tiros por terroristas muçulmanos que deixaram doze mortos em janeiro deste ano. Ele afirma, no entanto, que não mantinha uma relação muito próxima com a redação da revista e que entregava o trabalho por e-mail. “Deixei o Charlie Hebdo seis meses antes do ataque para começar uma nova série em outra revista, apenas porque, depois de oito anos, estava cansado de desenhar La Vie Secrete des Jeunes (A Vida Secreta dos Jovens).” Confira a entrevista de Riad Sattouf ao blog:

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Como foi o processo criativo para escrever o livro O Árabe do Futuro? O senhor trabalhou apenas com as suas memórias ou fez alguma pesquisa? Trabalhei exclusivamente com minhas memórias. Foi muito importante para mim como autor trabalhar dessa maneira. Ainda que minha memória pudesse errar, misturar as coisas ou transformar a realidade, eu definitivamente queria desenhar no papel as imagens que tinha em mente. Quando o livro saiu, meus parentes fizeram alguns comentários sobre o que eu tinha feito. Provavelmente eu vou incluir essas reações nos próximos volumes.

Você disse que o título do seu livro foi inspirado em uma frase do seu pai, que desejava que o mundo árabe tivesse mais acesso à educação, com tradição e progresso trabalhando juntos. Acha que isso é uma possibilidade futura? Quão longe eles estão disso? O livro conta a história do meu pai: nascido em uma família síria, camponesa e pobre, mas ia bem na escola e perigosamente virou um professor de história na universidade. A Universidade de Oxford até lhe ofereceu um emprego, mas ele preferiu voltar para os países árabes, primeiro para a Líbia, depois para a Síria, para educar os árabes do futuro, os árabes de amanhã. Mas meu pai não era favorável à liberdade e à democracia. Ele acreditava nas forças do mal, era supersticioso. Esse é o paradoxo que exploro no meu livro. Não tenho nenhuma visão geral sobre o futuro do mundo árabe, me desculpe.

87646590Por que escolheu trabalhar com graphic novel? Como os quadrinhos se diferenciam da narrativa em prosa? Acha que o leitor recebe melhor o livro com imagens? É a minha forma de expressão. Os quadrinhos evoluíram profundamente nos últimos anos. Hoje, essa linguagem consegue tratar de qualquer assunto. Não é mais destinado apenas a adolescentes. Desenhar é escrever para mim. Quando escrevo, faço isso com letras e desenhos. Eu tento escrever quadrinhos para pessoas que nunca leem quadrinhos. Isso é importante para mim. Eu queria que minha avó, que não sabia nada sobre quadrinhos, fosse capaz de ler meus livros.

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Infância e Oriente Médio são temas complexos para trabalhar.  Ficou preocupado com o assunto no passado? Na verdade não. Não diferencio minha família francesa da minha família síria. Estou apenas falando sobre coisas íntimas. Não criao teorias sobre o mundo árabe, não tenho capacidade para isso. Estou contando alguns fatos, da forma como lembro me lembro deles, e deixo o leitor desenvolver seu próprio ponto de vista.

Você é muçulmano? Como é a sua relação com essa religião? Não tive a sorte (ou o azar) de ter sido tocado pela fé, em nenhum momento da minha vida. Mas estou vivendo bem dessa forma. Eu não me considero francês, ou muçulmano ou sírio, me considero um autor de quadrinhos. É uma verdadeira diáspora, com muitos membros espalhados pelo mundo inteiro.

O que acha da maneira como jornais, revistas e emissoras de televisão ocidentais tratam o mundo árabe? Não sei. Não estou prestando atenção o suficiente para formar uma opinião.

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Como foi sua colaboração com o semanário Charlie Hebdo? Eu publiquei durante oito anos uma coluna intitulada La Vie Secrete des Jeunes (A Vida Secreta dos Jovens). Retratava os jovens em cenas que eu via na rua, no metrô. Não sou caricaturista, nem um desenhista político. Na verdade, eu não era nem membro da redação, era só um colunista, mandava o trabalho por e-mail. Deixei o Charlie Hebdo seis meses antes do ataque para começar uma nova série em outra revista, L’Obs, apenas porque, depois de oito anos, estava cansado de desenhar La Vie Secrete des Jeunes.

O que acha das redes sociais, que foram usadas como instrumento da Primavera Árabe, mas também são utilizadas para disseminar discursos antissemitas, xenofóbicos e islamofóbicos? Não sei. Estou no Twitter, mas nunca sei o que escrever. A internet é uma grande bagunça em que qualquer opinião pode ser dada. Apoio a liberdade de expressão, mas não a obrigação de ouvir.

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