Nicho étnico-racial é posto à prova por autores em mesa da Flip
Principais convidados do evento, Paul Beatty e Marlon James discorreram sobre suas obras e os limites de quem pode escrever sobre o que
“As coisas mudaram quando virei àquele cara negro que ganhou o prêmio”, diz, irônico, o escritor jamaicano Marlon James durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na noite deste sábado. O espaço nobre da agenda do evento foi dedicado aos dois últimos vencedores do Man Booker Prize, honraria britânica conquistada por James em 2015, por Breve História de Sete Assassinatos (Intrínseca), e por Paul Beatty no ano seguinte, por O Vendido (Todavia). Ambos tratam em suas obras, de maneira muito distinta, o racismo, entre outros desconfortos que giram ao redor do tema. Apesar da expectativa de uma discussão acalorada, a mesa se desenvolveu sem grande furor por parte de nenhum dos convidados, que fugiram de polêmicas com tom de naturalidade e resistiram à possibilidade de entrar em uma caixa específica, onde poderiam se encaixar como autores de nicho.
James e Beatty aproveitaram para se mostrarem pouco afeitos do politicamente correto e a léguas de distância de qualquer discurso de tom missionário. “Não gosto de autores que têm uma missão. O resultado é uma droga. Eu escrevo sobre sociedade”, diz o jamaicano de 46 anos, que encarou críticas pela visão crua e sem meias-palavras no tratamento dado ao seu país de origem nas páginas do livro premiado. “Eu não trabalho para o conselho de turismo da Jamaica. Mas também não demonizei o país.”
Já Beatty disse que se cansou de ser questionado se uma pessoa branca poderia escrever seu controverso livro, em que um homem negro desacreditado do sistema americano aceita ser dono de um escravo, também negro, que pede pela função. “Quando me perguntam isso a única coisa que penso é: ‘eu sou o único puto que pode escrever meu livro. O que os outros fazem é problema deles’.”
Sobre o nicho, que categoriza o que as pessoas deveriam escrever, como ressalta Marlon, os autores foram incisivos em dizer que não dão a mínima para a expectativa de que devem, como consequência da cor, escrever apenas sobre questões raciais. O mesmo pensamento foi dito pelo viés contrário, da apropriação cultural. “Qualquer um escreve o que quiser. Para fazer o tipo de literatura que eu faço, tenho que ter isso na cabeça para não me autocensurar”, disse Beatty. “O direito de escrever o que você quiser é seu privilégio, de falar m**** não”, completou Marlon.