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Napoleão, o mito, ainda é capaz de surpreender

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Por Kelvin Falcão Klein
Atualizado em 13 ago 2018, 17h43 - Publicado em 9 mar 2013, 09h34
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    Existem biografias que, no afã de apresentar a maior quantidade possível de detalhes, acabam não dando a ênfase adequada aos aspectos mágicos e enigmáticos que moldam uma vida. Não é o que acontece com Napoleão, de André Maurois (tradução de Vera Giambastiani, Globo Livros, 160 páginas, 34,90 reais), publicado originalmente em 1963 e que chega agora ao Brasil. Maurois (1885-1967) foi um intelectual francês atuante em várias frentes, tendo escrito contos, romances e ensaios. Mas a excelência de sua prosa ganha ainda mais destaque no campo da biografia: além de Napoleão, se dedicou a Marcel Proust, Balzac, Victor Hugo e George Sand, entre outros.

    O livro de Maurois não é apenas informativo, mas também dinâmico em sua linguagem e em sua abordagem da história, apresentando a vida de Napoleão com um uso mínimo de citações bibliográficas e um uso máximo de inventividade na recriação textual dos eventos mais importantes da vida do personagem. Maurois consegue transmitir uma espécie de incredulidade diante da trajetória de Napoleão, mesmo que essa história já tenha sido contada e recontada muitas vezes antes. Ao frisar as características contraditórias da personalidade e dos atos do Imperador francês, Maurois dá um tom quase folhetinesco à sua biografia, um tom que estimula o leitor a seguir página por página até o final:

    “O verdadeiro perigo para ele seria uma derrota, ou uma conspiração de generais. Um militar que triunfa tem mais a temer de seus iguais que de um chefe civil. Todo general vencedor se perguntaria: ‘Por que não eu?’ Assim sendo, Napoleão sempre age de forma a dar a seus generais a impressão de que podia acabar com eles a qualquer momento. Tratava-os bruscamente, até mesmo com grosseria. Em contrapartida, Bonaparte assegura a devoção da tropa. Visita os bivaques, belisca a orelha dos bravos, usa um redingote cinza muito simples e um pequeno chapéu preto. A afeição dos soldados o protegerá por muito tempo contra as traições dos chefes”.

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    Napoleão é qualificado como “gênio” e “semideus”, uma mente alerta que soube tirar proveito das situações propícias que o “Destino” colocou em seu caminho. Nascido na Córsega apenas um ano depois dessa ilha ter se tornado francesa, Napoleão desde cedo teve que conviver com a desconfiança por ser estrangeiro. Quando foi levado à França, com nove anos, Maurois afirma que Napoleão falava “apenas o dialeto local”. Além de estrangeiro na própria nação, o Napoleão de Maurois é também um leitor voraz, dono de uma memória prodigiosa e de uma confiança inabalável na própria capacidade de trabalho e de liderança. “Ele era mesmo um super-homem”, escreve Maurois, “fora e acima das paixões, das quais não partilhava”. Sua leitura predileta eram os escritos do historiador romano Plutarco, que complementava com obras de Tácito, Rousseau, Montaigne, Montesquieu e Corneille.

    Para aqueles acostumados a ver Napoleão como o conquistador da Europa, será uma surpresa constatar a quantidade de batalhas que ele teve de lutar e ganhar no interior da própria França. Liderou parte do exército na campanha de defesa da fronteira sul, na divisa com a Itália, e também reprimiu manifestações na capital, Paris. Napoleão chegou a ser encarcerado no início da carreira por não acatar ordens, característica que lhe garantiu uma série cada vez maior de desafetos – inimigos burocratas que conspiravam sempre que ele se ausentava em direção ao campo de batalha. O crescimento de seus domínios era também o crescimento de sua angústia: ele próprio duvidava da possibilidade de manter suas conquistas, afirma Maurois, pois “a Europa é muito pesada, muito grande para que um só homem consiga segurá-la com braços abertos”.

    napole%c3%a3o-2Não bastava apenas cuidar dos movimentos do inimigo na guerra, era preciso multiplicar a atenção e jamais descuidar da retaguarda, dos flancos, dos rumores, dos atentados e das demandas dos governantes aliados. Napoleão adquiriu essa capacidade muito cedo: aos dezesseis anos já era oficial e, com vinte e cinco anos, no posto de general de brigada, comandou uma longa e vitoriosa campanha na Itália. Suas vitórias no campo de batalha garantiam a tranquilidade dos políticos em Paris, e foi essa mistura de inigualável destreza militar com a capacidade de inspirar confiança que levou Napoleão ao topo. É aqui que a história do Imperador se torna enigmática, pois é difícil explicar como tantos fatores convergiram em direção a um mesmo propósito, ou seja, o de favorecer Napoleão. Soldados, políticos, donas de casa e comerciantes: todos acompanhavam os movimentos do general e celebravam suas conquistas como conquistas da França, recebendo-o com festa sempre que voltava a Paris. Além das vitórias e da confiança dos políticos, Napoleão também tinha o povo ao seu lado.

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    O biógrafo jamais perde de vista a profunda repercussão que o “fenômeno Napoleão” teve em toda Europa – em seus aspectos sociais, políticos e culturais. Ele dá o exemplo da realeza, mostrando como Napoleão remodelou o continente colocando seus irmãos e irmãs nos principais tronos do continente. Os reinos de Nápoles e da Holanda, o principado de Lucca e Piombino, o reino da Baviera, todos eles nas mãos de parentes. O que o Imperador ganhava em fidelidade e controle, no entanto, ele perdia em competência e efetividade. Essa distribuição de figuras inadequadas para a administração dos territórios conquistados, argumenta Maurois, foi um dos fatores que facilitou a posterior interferência inglesa nos planos de Napoleão. O general estava sobrecarregado, tendo que cuidar de domínios que iam da Espanha à Rússia, pensando não apenas nos campos de batalha, mas em todas as minúcias políticas daquilo que Maurois chama “teatro dos poderes europeus”. O destino de Napoleão se resolve nesse acúmulo de funções, pois foi por conta disso que a Inglaterra conseguiu, pouco a pouco, fechar o cerco em torno de seu Império.

    Mas existe um outro fator que contribui muito para a qualidade desse livro, e a indicação está dada já no subtítulo – Napoleão: uma biografia ilustrada. Praticamente todas as páginas contém imagens (às vezes mais de uma), todas elas identificadas com legendas e cobrindo um gama de registros que vai do retrato às cenas de batalha, passando pelas caricaturas, pelas moedas, pelos documentos escritos oficiais e pelas cartas pessoais manuscritas. Ainda mais digno de atenção é o fato das imagens não servirem somente como apoio ao texto da biografia. Existe, ao final do volume, um conjunto de notas denominado “Painel das ilustrações”, que indica, além da página na qual se encontra a imagem, os títulos e as circunstâncias de realização. As notas, além de oferecerem informações sobre as imagens, acrescentam detalhes que não estão no corpo do texto, que funcionam como complementos minuciosos ao painel geral delineado por Maurois.

    Em sua biografia, André Maurois opta pela brevidade e aposta no potencial didático das ilustrações e das notas. Curiosamente, é essa brevidade que salienta o apurado trabalho de corte e montagem que o autor alcançou, pois o montante exaustivo de informação que ele teve que acessar é apenas vislumbrado na execução da obra final. Nas linhas finais, Maurois escreve que a “França moderna sabe que foi modelada” pelas ações e pela presença de Napoleão. Essa modelagem, longe de estar restrita apenas à França moderna, é reconhecível ainda hoje em muitos aspectos do mundo que nos circunda. O livro de Maurois, operando através do resgate crítico de uma figura histórica, tem o mérito de abrir a percepção do leitor às possibilidades de encontrar o passado no cotidiano do presente.

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