É preciso ter estômago para ler Breve História de Sete Assassinatos (tradução de André Czarnobai, Intrínseca, 736 páginas, 74,90 reais impresso e 49,90 digital). Assim como é preciso se esforçar muito para interromper a leitura do calhamaço assinado pelo jamaicano Marlon James, escritor convidado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que estrela a mesa da noite deste sábado ao lado do americano Paul Beatty, do provocativo O Vendido. Inspirado na história real da tentativa de assassinato de Bob Marley, em 1976, o livro se divide entre as vozes de dezenas de personagens ao longo de três décadas, enquanto acompanha um bipolar momento político juntamente com a ascensão do tráfico de drogas nas favelas da ilha paradisíaca.
Adolescentes aliciados pelo crime, líderes de gangues, um agente da CIA, um jornalista e uma jovem que sonha fugir de tudo aquilo, rumo aos Estados Unidos, são alguns dos narradores que observam a história, cada um com sua visão e linguagem, a partir de sua realidade. Até os mortos falam, em uma sensacional perspectiva de quem observa de forma póstuma. O texto brutal dispensa eufemismos para ilustrar o retrato semi-jornalístico feito por Marlon, que mergulha em pensamentos, cenários e texturas com esmero.
Há dez anos residente dos Estados Unidos, onde ensina escrita criativa e literatura em Macalester College, Minnesota, o autor é tratado como uma mistura de Quentin Tarantino com William Faulkner, e um aspirante a George R.R. Martin. Aos olhos dos leitores brasileiros, a trama criada por James, vencedora do Man Booker Prize de 2015, lembra uma realidade parecida com a de filmes de favela, especialmente Cidade de Deus. E ele concorda.
“Sinto as similaridades com Cidade de Deus e toda a cultura de uma favela. Gosto do Tarantino, mas acho que temos sensibilidades diferentes”, conta a VEJA. “O que temos em comum é a violência, mas não a tratamos da mesma maneira. Nos filmes do Tarantino, a violência é estilizada e causa poucas consequências. A violência no meu livro é intensa, mas não gratuita.”
No caso do atentado sofrido por Marley, as consequências não foram registradas pela história oficial. Apesar do tiroteio, ninguém morreu. Ninguém foi preso. E as lacunas do que aconteceu nunca foram preenchidas. Exceto pela imaginação de James. “O legado que Bob Marley deixou para os jamaicanos é o lembrete da liberdade, da perseverança e de que é possível fazer seu trabalho, sua arte, dentro do que você acredita. Ele continua sendo uma inspiração para a Jamaica.”
Breve História de Sete Assassinatos é o terceiro romance do autor, e seu primeiro lançado no Brasil. Entre os planos para o futuro, ele prepara uma trilogia fantástica que bebe sem receio de fontes como Senhor dos Anéis, O Hobbit e Game of Thrones, títulos de que ele se diz fã.
Batizada de Dark Star, a trilogia fantástica vai acompanhar a origem dos negros respaldada por lendas e histórias da mitologia africana. A trama vai se passar em um período indeterminado após a queda do império romano e será ambientado em reinos africanos.
“Gosto muito de Tolkien, George R.R. Martin, entre outros. Porém, todas estas literaturas são eurocêntricas. Temos a lenda do rei Arthur, os celtas, os vikings e os vampiros. Amo todos eles, mas são todos europeus. E o que eu estou escrevendo quebra isso. A história se passa totalmente dentro da cultura da África”, conta.
A expectativa de lançamento do primeiro volume, Black Leopard, Red Wolf (“Leopardo Negro, Lobo Vermelho”, em tradução literal), é o segundo semestre de 2018. Os livros seguintes, Moon Witch, Night Devil (“Bruxa da Lua, Demônio da Noite”, em tradução literal) e The Boy and the Dark Star (“O Garoto e a Estrela Escura”), devem ser lançados no intervalo de dois em dois anos.
James conta que já existem convites para uma possível adaptação da trilogia, porém, é cedo para fechar qualquer negócio. “Me deixem terminar o primeiro livro primeiro. Pois vai ser pesado… Se bem que Game of Thrones também é e as pessoas gostam. Então, é questão de esperar.”