Em 2003, o americano David Levithan se destacou entre os autores de literatura infantojuvenil ao lançar Garoto Encontra Garoto. Romances gays não eram comuns na época, apesar do passado não ser assim tão distante. O sucesso de vendas mostrou que o filão era inexplorado e Levithan aumentou o currículo com outras tramas com protagonistas ou personagens relevantes homossexuais. A evolução de sua narrativa chegou em 2012, quando Levithan transcendeu as discussões de gênero ao criar uma trama de tom psicológico e sobrenatural, em que uma consciência troca de corpos diariamente no livro Todo Dia. Autobatizado de A, ele (ou ela) tem 16 anos e a cada manhã se vê no corpo de um jovem de sua idade. Em um desses dias, A acorda como Justin, namorado de Rhiannon, e se apaixona pela garota. Apesar de estar em outros corpos nos dias que se seguem, ele tenta contato com Rhiannon, com quem, em seguida, consegue estabelecer uma relação.
Apesar da trama surreal, Levithan não deixa a narrativa perder o ritmo ao longo de pouco mais de 200 páginas, que nesta semana chegaram aos cinemas brasileiros na adaptação de mesmo nome, estrelada por Angourie Rice.
A versão cinematográfica mantém a ideia emocional do livro, seus personagens principais e a troca diária de atores que encarnam A. Porém difere e muito em diversos pontos imaginados pelo autor. Confira abaixo as principais diferenças entre as obras.
Diferenças
Narrador – Enquanto o livro é todo narrado por A, que a cada capítulo fala sobre seu novo corpo – com detalhes sobre desejos, vícios, formas, famílias e orientação sexual –, o filme dá mais espaço para o ponto de vista de Rhiannon. Faz sentido a escolha. Por se tratar de uma obra visual, o longa demanda que o protagonista seja mais estável, fisicamente falando. Porém, a versão escrita oferece uma dinâmica melhor e mais profunda sobre os conflitos do corpo e da consciência, como quando A acorda na pele de um viciado em drogas, ou de um rapaz obeso e insaciável, ou de um garoto transgênero. Vale lembrar que o autor lançou também um livro narrado por Rhiannon, Outro Dia, de 2015.
Família – Na literatura, a família de Rhiannon é pouco explorada, enquanto no filme cria-se um novo drama entre a jovem e seu pai, recurso que oferece uma tensão maior à história, assim como uma melhor relação entre ela e a mãe e a irmã.
Sexo – Boa parte do filme trata o sexo como algo tão natural aos jovens que chega a ser subjetivo. Não se fala sobre, assim como não existem cenas com o ato. O recurso na adaptação faz com que a censura do filme seja baixa, levando às salas o público adolescente. As palavras são mais explicitas na literatura. A consciência se irrita ao saber detalhes sobre as relações de Rhiannon e Justin. Mais tarde, descreve um momento quente com a garota, antes de reagir com uma negativa aos finalmentes — quando acha injusto fazer com que o corpo em que ele está naquele momento tenha uma relação com ela.
Diabo no corpo – Andrew, um dos garotos que “abriga” A durante um dia, acorda com a certeza de que foi possuído pelo diabo. A trama é citada no filme, mas é mais explorada no livro, quando o rapaz fica obcecado por saber o que aconteceu e chega a tomar os noticiários locais, além de movimentar um suspeito reverendo na caçada ao demônio.
Semelhanças
Começo da paixão – A (a consciência) se apaixona por Rhiannon quando passa um dia no corpo de Justin. Ele a leva para praia, onde trocam confissões e beijos. O capítulo que abre o livro é adaptado com fidelidade pelo filme.
Relacionamento abusivo – O namoro de Rhiannon e Justin é tratado como abusivo sob a ótica de A no livro, apesar de a jovem não concordar. No filme, Justin realmente não é o namorado dos sonhos, mas não chega a ser abusivo. O rapaz poderia ser simplesmente caracterizado como babaca. O roteiro, então, faz uma mistura dos sentimentos da jovem e de A.
Adaptação emocional – Apesar das muitas diferenças, o filme é fiel ao espírito do livro – sem trocadilhos. Rhiannon e A se apaixonam e vivem um romance repleto de significados. Para além das questões de gênero e formas de um corpo, de atração e sexualidade, filme e livro são açucarados ao falar sobre o primeiro amor e amadurecimento.