Mais conhecido como o autor dos romances Clara dos Anjos e Triste Fim de Policarpo Quaresma, a trágica e divertida história de um nacionalista exagerado que quer tornar o Brasil mais brasileiro e enfrenta a resistência da europeizada burguesia carioca do início do século XX, o escritor Lima Barreto terá sua faceta de contista revelada ao leitor nacional em toda a sua plenitude. A Companhia das Letras prepara a primeira antologia completa de contos de Barreto. O livro, previsto para sair até o começo do ano que vem, vai colocar, lado a lado, textos já publicados e contos inéditos do autor.
“A antologia será dividida em três partes. Primeiro, virão os contos que o Lima quis publicar em vida. Depois, os contos que foram sendo agregados à sua obra, sem a sua anuência. E, por fim, os contos inéditos, alguns até incompletos”, conta a antropóloga Lilia Schwarcz, idealizadora do projeto. De acordo com Lilia, que é também editora da Companhia das Letras, apesar de serem textos em formação, os contos não terminados são compreensíveis no contexto em que existem – “e bonitos”.
A antologia de contos vai contar ainda com notas de pé de página que atualizem o leitor a respeito das referências dos textos – lugares e eventos da vida de Lima Barreto e do Rio de Janeiro da República Velha. Além da coletânea de textos curtos do autor, Lilia Schwarcz idealizou uma reedição do romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, que deve sair pelo selo de clássicos Penguim-Companhia, e de uma versão em quadrinhos de Clara dos Anjos. Ambas devem chegar às livrarias até o primeiro semestre de 2011.
Lilia está mergulhada no universo de Lima Barreto há mais de um ano, quando deu início à pesquisa para a biografia que pretende escrever sobre o escritor, ainda sem data de lançamento. “Desde que eu fiz a minha titularidade (Lilia concluiu doutorado em antropologia pela USP em 1993 e, em 1998, se titulou como professora livre-docente da universidade), eu prometi que todos os meus livros agora vão ser o tempo do prazer e da experiência.” Embora não tenha prazo para terminar a biografia, Lilia adianta o viés que seguirá no trabalho – o mesmo que pauta a sua produção acadêmica, marcado por palavras-chave como raça e identidade.
“A biografia fundamental do Lima Barreto é a do Francisco de Assis Barbosa. É um trabalho impressionante pela documentação que arregimentada, pelo cuidado e pela acuidade do Assis Barbosa. Mas ele abriu mão de discutir a questão racial, e este será justamente o meu gancho”, conta a antropóloga. “Eu me arrisco a dizer que o Lima Barreto foi um dos primeiros a declarar fazer uma literatura negra, para o bem e para o mal. Ele construiu uma persona para si com base em marcadores sociais da diferença – o fato de ser negro, da periferia, rejeitado, bêbado –, que quero investigar.”
Duas outras biografias assinadas por Lilia faturaram o Prêmio Jabuti. As Barbas do Imperador, sobre Dom Pedro II, venceu a premiação em 1999. E O sol do Brasil, sobre a vida e a obra do pintor francês Nicolas-Antoine Taunay, foi eleita a melhor biografia da competição no ano passado.
Ativa, a antropóloga – que é também historiadora – organiza ainda um seminário sobre o escritor baiano Jorge Amado. O evento acontece nos próximos dias 24 e 25, na USP. Leia mais aqui.
Maria Carolina Maia