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Em livro autobiográfico, Philip Roth conta tudo. Ou não

A obra 'Os Fatos' seria uma chance para o autor separar o real e o imaginado. Sim, seria, assim mesmo no condicional

Por Diego Braga Norte Atualizado em 30 jul 2020, 21h21 - Publicado em 12 nov 2016, 08h00

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O escritor americano Philip Roth, assim como todos os seres humanos, é uma pessoa imperfeita, com dúvidas e frustrações. É dono de uma personalidade complexa (talvez complexada) e hesitante. Mas, diferente de quase todos os demais humanos, Roth é um escritor brilhante, um arguto investigador e cronista da alma e imperfeições humanas. E é essa perspicácia de ver, registrar, interpretar e remoer as alegrias e agruras cotidianas que vem à tona em seu mais recente livro lançado no Brasil, Os Fatos (tradução de Jorio Dauster, Companhia das Letras, 208 páginas, 44,90 reais).

O livro, de acordo com o próprio subtítulo, é “a autobiografia de um romancista”, um relato breve abrangendo a infância, a juventude, os anos na faculdade, os primeiros e conturbados relacionamentos amorosos e o início da vida adulta do escritor. Lançado originalmente em 1988, Roth tinha apenas 55 anos quando decidiu olhar para trás e tentar desvendar como ele havia se transformado no escritor e no homem que ali chegara, com muito sucesso profissional e uma coleção de decepções e ressentimentos.

A julgar pela descrição do parágrafo acima ou mesmo pelo texto da orelha do livro, a obra pode soar como mais uma em que um escritor tenta fazer as pazes com seu passado — algo, aliás, muito comum na literatura. Porém, o escritor em questão não é qualquer um. Habilmente construído, o livro é dividido em três partes: uma carta de Roth para seu personagem e alter ego Nathan Zuckerman; a narrativa autobiográfica e, no final, o trecho mais surpreendente do livro: a missiva de resposta de Zuckerman para Roth.

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Se na introdução, o autor ensaia uma justificativa para ter se tornado o Philip Roth que conhecemos, e na biografia ele tenta elucidar os momentos-chave (os fatos, do título) que contribuíram para isso, a carta-resposta de Zuckerman vem com um oceano de água fria, um maremoto gelado para questionar e destruir os argumentos antes expostos. O autor deixa claro que alterou nomes de algumas pessoas para evitar eventuais constrangimentos, porém, os leitores mais atentos – como o Zuckerman — passam a questionar se Roth omitiu, editou, alterou ou mesmo inventou alguns acontecimentos. Em um autor cuja obra é fortemente marcada por memórias biográficas, o limite entre os fatos e a ficção é sempre nebuloso. O livro seria então uma chance para o autor separar o real e o imaginado. Sim, seria, assim mesmo no condicional. Num engenhoso drible literário a biografia passa a soar como ficção e vice-versa.

Capa do livro "Os Fatos"

Um judeu na América — É quase desnecessário ressaltar a graça e o forte caráter metalinguístico do livro em que um personagem confronta o próprio autor que o criou. Porém, a grande inventividade e os maiores méritos da obra utilizam esse jogo literário para realçar justamente as observações de Roth sobre sua vida e formação como homem e escritor. Para quem já conhece algum de seus livros, é quase óbvio pressupor que a questão da identidade judaica em meio a um ambiente muitas vezes hostil nos EUA é um elemento importante para Roth. Nesta autobiografia, no entanto, o autor escancara o quanto sua criação em uma tradicional família de imigrantes judeus que vieram da Galícia foi decisiva na construção de sua personalidade e sua obra.

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Acusado pela ala mais conservadora da comunidade judaica de “self-hating jew” (expressão para os judeus que negam sua religião ou propagam ideias antissemitas) e visto com desconfiança por parte da vasta comunidade wasp (acrônimo para white, anglo-saxon and protestant; ou branco, anglo-saxão e protestante), Roth fica emparedado entre duas forças que o oprimem. E ele faz dessa opressão e desse sentimento de alteridade a pedra de toque de sua vida e obra. Nisso, ele se aproxima de outros artistas judeus americanos contemporâneos dele. Só para ficar em três exemplos, Will Eisner (nos quadrinhos), Woody Allen (no cinema) e Saul Bellow (também na literatura). Todos eles criaram obras fortemente calcadas no sentimento de ser um judeu secular (ou mesmo ateu, como no caso de Allen) vindo de uma família tradicional judaica numa América em que o preconceito contra os semitas ainda era latente.

Em pouco mais de 200 páginas, Roth consegue transmutar uma pequena autobiografia em uma obra literária poderosa, inventiva e inquietante. Longe de esconder seus defeitos e facetas mais detestáveis (muitos de seus comentários sobre sua primeira mulher são condenáveis quando não cruéis), ele os escancara em nome de bens maiores: sua obra e a literatura.

Em tempo: Se ano após ano muitos fãs lamentam que Philip Roth mais uma vez não ganhou o prêmio máximo da Literatura, azar do Nobel.

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