Uma das maiores estrelas da 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o egípcio André Aciman, autor do aclamado Me Chame Pelo Seu Nome (Intrínseca), romance que deu origem ao filme ganhador do Oscar de roteiro adaptado deste ano, ele fala a VEJA sobre as polêmicas que rondam a obra e sua adaptação — incluindo a possibilidade de uma continuação. A conversa aconteceu horas antes da mesa de Aciman, que participará de um debate nesta sexta, às 17h30, na Tenda dos Autores da Flip. Confira alguns trechos da entrevista:
Corte de nu frontal
“Acho que não tem problema o diretor Luca Guadagnino ter tirado a cena do filme. Cheguei a um ponto na minha vida em que não gosto de ver sexo no cinema ou na TV. Eu não me importo com o enlace, mas o sexo de fato — entre homem e mulher, ou homem e homem — eu não quero mais ver. Não me importo que haja pessoas nuas na cama, se abraçando… Mas o sexo em si eu não preciso ver. Para mim, algumas vezes é o equivalente a ver violência. Toda vez que um drogado se injeta nas telonas, eu não preciso ver a agulha, eu não preciso ver isso! Eu tenho a mesma sensação com sexo. Se é bem filmado e é relevante para a história, ok. De nudez gratuita eu também não gosto.”
Mesmo a luta contra essa pressão já é uma maneira de ceder a ela, porque você se torna consciente do que o público quer. E, como um escritor, isso pode destruí-lo.
Mulher pode?
“É possível perceber no filme que a garota tira a roupa de banho e o homem não faz o mesmo. Então, percebemos que há uma diferença de calibração. Mas não estou chateado (com a ausência de nu frontal). Eu fico feliz por aparecer uma árvore lá fora enquanto fazem sexo, e já está bom. Intimidade sexual pode ficar muito legal nas telas e muitos diretores fizeram isso bem. Mas o sexo em si… Não sei. Talvez eu seja muito burguês. Acho que você pode escrever sobre isso, estimula sua imaginação, mas o cinema o impõe a imagem.”
Poderia ser mais polêmico
“O livro tem passagens muito gráficas. Se Luca (Guadagnino, o diretor) quisesse, poderia ter sido mais ousado, como quando Elio lembra a dor que sentiu durante o sexo. Ele poderia ter mostrado isso, mas fazê-lo bem demandaria muito trabalho… ou ficaria apenas chato.”
Sim, há conversas sobre uma sequência de ‘Me Chame pelo Seu Nome’
O damasco
“Fetichismo não é uma perversão, é normal. No caso de Paolo (protagonista de Variações Enigma, sua publicação mais recente), ele não sabe nada. É totalmente ignorante. A maior parte das pessoas na minha geração não sabiam nada sobre sexo até terem 11, 12 anos, ninguém falava para elas. Hoje, crianças de 7 anos já sabem tudo, porque têm computador e podem ver online.”
Terá sequência?
“Sim, há conversas sobre uma sequência. Estava pensando sobre isso alguns dias atrás e o livro que estou escrevendo agora poderia ser considerado uma sequência, ou algum tipo de sequência, porque eu ainda estou interessado na questão do desejo.”
Ser escritor após o Oscar
“O filme teve impacto na minha escrita. Eu penso ‘vou escrever o livro que eu quero escrever’, mas em algum lugar da minha cabeça eu penso ‘as pessoas gostam disso, talvez eu devesse fazer mais’. Mesmo a luta contra essa pressão já é uma maneira de ceder a ela, porque você se torna consciente do que o público quer. E, como um escritor, isso pode destruí-lo. Porque você não está mais escrevendo o que você quer escrever, mas o que você acha que o público espera e demanda. Como em Me Chame… Eu não sabia que iria escrever esse livro. Só aconteceu, e eu escrevi porque significou alguma coisa para mim. Eu estava certo de que ele nem seria publicado, que era uma coisa louca. Mas assim consegui escrever um livro que era genuíno e muito real para muitas pessoas. O livro tem que expressar algo de si sobre o que o público não deve deliberar.”
O evento
A 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) acontece de 25 a 30 de julho em Paraty, litoral sul do Rio de Janeiro. Com curadoria de Joselia Aguiar, o evento conta neste ano com a participação de André Aciman, autor do livro Me Chame pelo Seu Nome (adaptado ao filme homônimo vencedor do Oscar 2018), o laureado pelo Prêmio Pulitzer Colson Whitehead e a ganhadora do Prêmio Goncourt Leïla Slimani. A escritora homenageada da edição é a polêmica paulista Hilda Hilst.