Os dois piores chefes que já tive na vida (e o que aprendi com eles)
Colunista parte de experiências pessoais para discutir o impacto das lideranças tóxicas na saúde mental dos liderados - um roteiro para o colapso psíquico
Tive chefes fantásticos, e sou muito grata a eles. Sem essa turma, boa parte do que conquistei na minha carreira de psicóloga e pesquisadora simplesmente não teria acontecido. Eles mostraram que liderança pode ser inspiradora. Só que nem todo mundo é assim…
Existem muitas maneiras de ser um péssimo chefe. Algumas tão silenciosas que passam anos despercebidas; outras tão barulhentas que chegam a ser confundidas com carisma. A vida profissional — e a clínica — me ensinaram que, além da pessoa em si, a questão decorre também do sistema que insiste em promover gente emocionalmente despreparada para liderar.
No topo da minha lista pessoal de horrible bosses – é assim que a gente se refere a eles aqui nas bandas de Nova York -, estão dois homens tão diferentes entre si que poderiam protagonizar um estudo de caso sobre as formas contemporâneas de incompetência emocional na liderança. Vou chamá-los de Clint e Miguel.
Clint não era brilhante. Era metódico, competente o suficiente para convencer seus chefes, que de fato eram talentosos e o consideravam confiável. Disciplinado, construiu a carreira ciente de não ter margem para errar.
Psicólogo de formação, especializou-se em análise de grandes bancos de dados— cumpria prazos, entregava o prometido, não criava ruído e parecia sempre alinhado às metas. No entanto, quando chegou à liderança, ficou evidente seu lado medíocre: era pouco criativo e incapaz de perceber e ouvir pessoas, sempre focado em detalhes irrelevantes.
Clint tinha medo de enfrentar autoridade e estava sempre ávido por controlar cada mínima ação e iniciativa da equipe. Seu estilo era o silêncio contido e cometia microagressões disfarçadas de rigor. A equipe se corroía lentamente, como quem vive numa casa com infiltração invisível. Nada explodia, mas nada florescia.
Nem todo chefe horrível é igual
Passemos ao outro. Miguel era o extremo oposto de Clint. Brilhante, expansivo, criativo. Muito charmoso, era o tipo de chefe que fazia você se sentir especial no primeiro minuto, soltando frases do tipo: “Temos que trabalhar juntos”, “Tenho um projeto perfeito para você”, “Você é exatamente a pessoa que eu estava buscando”.
Ele tinha esse dom perigoso de oferecer um enredo sedutor para a sua carreira — daqueles que dão vontade de acreditar. Mas havia um preço, e ele sempre chegava. Miguel era volátil, emocionalmente imprevisível, agressivo quando frustrado (o que acontecia com frequência) e tinha um talento quase artístico para transformar qualquer equipe em um campo de fofocas e lealdades frágeis.
Trabalhava num registro de intensidade constante, movido por ideias grandiosas que pareciam revolucionar o mundo na terça-feira e desaparecer sem explicação na quinta. Seus projetos eram assim: megalomaníacos, esteticamente deslumbrantes, intelectualmente irresistíveis — e praticamente impossíveis de executar.
Se Clint sufocava a equipe pelo acanhamento, Miguel cansava pela exaustão. Ele não brilhava: ele ofuscava. Atraía todos para o centro de sua luz instável, mas deixava um rastro de caos quando ela oscilava — e oscilava muito.
O melhor amigo de hoje podia virar o inimigo de amanhã por razões insondáveis ou simplesmente porque ele acordou inquieto. E, quando isso acontecia, você era descartado com a leveza de quem amassa um guardanapo de papel e joga no lixo.
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As lições que aprendi com chefes tão ruins
Esses dois homens — um obsessivamente cinza, outro estridentemente colorido — me ensinaram que a liderança tóxica não tem um perfil psicológico único. O Clint destrói por omissão, por falta de gerenciamento, pela poda da ousadia; o Miguel, pela vaidade, pelo caos, pela instabilidade.
Um não confronta; o outro atropela. Um paralisa; o outro desorganiza. O resultado, porém, é igualmente corrosivo: equipes que perdem energia, motivação e, principalmente, a capacidade de confiar. E sem confiança não existe trabalho minimamente digno.
Muitas organizações — inclusive aquelas que se acham ilustres, como universidades e hospitais — continuam produzindo chefes aleatórios, despreparados e horríveis em série. Gente promovida não por saber liderar, mas por desempenho técnico, tempo de casa ou pura conveniência.
Espera-se, como em um conto de fadas corporativo, que ser alçado à liderança desencadeie a maturidade de conseguir ler pessoas, regular emoções, arbitrar conflitos, ceder espaço para o crescimento alheio. Isso não acontece.
E, quando uma equipe adoece sob chefes inseguros, voláteis ou medrosos, todos fingem surpresa — como se o desastre já não estivesse anunciado desde o início na forma como escolhemos e deixamos de formar nossos líderes.
No consultório, vejo o rastro deixado por Clints e Migueis. Gente talentosa que duvida de si porque conviveu anos com críticas constantes e dissimuladas de um líder inseguro. Ou profissionais brilhantes que perderam o prazer de trabalhar depois de sobreviver ao furacão emocional de um chefe volátil.
O dano é real. E, infelizmente, muito frequente.
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Como lidar com um líder assim?
Não tenho manuais — e desconfio de quem diz ter. Nem todo mundo pode simplesmente mudar de chefe ou de rumo, e a resiliência continua sendo uma ferramenta valiosa em qualquer ambiente. Mas existem algumas atitudes que, na prática clínica e na vida, me parecem úteis.
A primeira é qualificar devidamente o fenômeno. Liderança ruim não é “temperamento” nem “gênio difícil”: é um risco à saúde mental do liderado. Reconhecer isso diminui a culpa difusa de quem passa anos achando que o problema é falta de talento pessoal.
A segunda é recorrer a um princípio por vezes penoso: nenhum projeto, instituição ou prestígio compensa trabalhar subordinado a alguém emocionalmente desequilibrado. Mesmo quando não há possibilidade imediata de se demitir, ter consciência de que não é você quem está falhando já é uma forma de proteção psíquica.
E, por fim, vale guardar uma verdade simples: chefes ruins em geral não lideram a partir de força, e sim de insegurança. Eles parecem firmes porque precisam parecer; a rigidez é mais escudo do que competência. Entender isso ajuda a tirar o episódio do plano pessoal: quase nunca é sobre você.
Embora reconhecer padrões cedo não garanta uma carreira perfeita, aumenta em muito as chances de construir uma trajetória que floresce — e não apenas resiste ou sobrevive. Sobreviver é o mínimo; a gente merece, mas pode muito mais do que isso.
* Ilana Pinsky é psicóloga clínica e doutora pela Unifesp. É autora do livro Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), entre outros. Foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade Colúmbia. Siga a colunista no Instagram: @ilanapinsky_
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