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A psicóloga e pesquisadora Ilana Pinsky reflete sobre saúde mental e suas conexões com a nossa sociedade
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Entre altos e baixos: desvendando os enigmas do transtorno bipolar

Nossa colunista faz um mergulho nessa condição marcada por alternâncias no estado de humor e impactos na qualidade de vida

Por Ilana Pinsky
Atualizado em 9 Maio 2024, 12h32 - Publicado em 9 abr 2024, 11h33

O transtorno bipolar, também conhecido como bipolaridade, é uma condição psiquiátrica com consequências significativas no dia a dia que afeta cerca de 2% da população mundial.

Oficialmente reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria em 1952, e de início rotulado como “doença maníaco-depressiva”, o distúrbio mental é caracterizado por oscilações extremas de humor, energia e desempenho diário. Pessoas com bipolaridade experimentam episódios intensos de emoções, marcados por uma sensação de energia elevada, pensamentos acelerados (às vezes acompanhados de irritabilidade) e mudanças no comportamento, como gastos excessivos, delírios de grandeza e decisões impulsivas com consequências sérias.

Essas mudanças são conhecidas como “episódios de mania”, que podem durar dias ou semanas. Por outro lado, os episódios depressivos estão associados a sentimentos profundos de tristeza, falta de energia e motivação.

Existem dois principais tipos de bipolaridade, sendo a diferença principal a gravidade dos episódios maníacos. No transtorno bipolar tipo 2, as fases de hipomania, embora impactantes, são menos severas, com características como diminuição da necessidade de sono, produtividade aumentada, fala rápida e impulsividade.

Até os anos 1970, receber esse diagnóstico quase sempre indicava uma vida marcada por instabilidade, internações psiquiátricas e poucas perspectivas de uma existência produtiva e satisfatória. Isso mudou, principalmente com o desenvolvimento de uma classe de medicamentos chamados de “estabilizadores do humor”, começando com o lítio.

Essas medicações ajudam a diminuir a frequência e a intensidade dos episódios maníacos e depressivos, permitindo que a pessoa mantenha um humor mais equilibrado e estável. Psicoterapias direcionadas a esse diagnóstico, como a psicoeducação (forma concisa de transmitir os conceitos-chave da doença ao paciente) e a terapia cognitiva, auxiliam o indivíduo a lidar com os impactos duradouros e persistentes do transtorno bipolar em várias áreas, como relacionamentos interpessoais, desempenho no trabalho e avanços acadêmicos.

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Em busca do diagnóstico

Erros de diagnóstico, no entanto, ainda são frequentes. O psiquiatra Flávio Kapczinski, um dos maiores pesquisadores na área de bipolaridade, autor de 579 artigos científicos e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que uma das causas é a própria apresentação da doença.

Há um longo período latente antes de a condição aparecer com suas características mais marcantes — em média, ela surge no início da vida adulta. Embora a trajetória seja heterogênea, com grandes variações individuais, as pesquisas têm apontado para o seguinte percurso: na infância podem surgir desordens do sono, ansiedade e mudanças de humor. Durante a adolescência, tendem a aparecer episódios de depressão, impulsividade, uso de substâncias psicoativas e transtornos de ajustamento (reações exacerbadas a situações como divórcio dos pais, mudança de escola, conflito com colegas).

Em seguida, aparecem períodos mais graves de depressão – o que frequentemente leva o indivíduo a ser medicado com antidepressivos, que podem desencadear episódios maníacos, piorando a condição. É por isso que a história familiar da doença é informação central a ser colhida pelos profissionais de saúde.

A bipolaridade tem suas raízes na genética, com forte evidência de sua ocorrência em famílias. A presença de parentes de primeiro e segundo graus (como pais, irmãos, avós e tios) com transtorno de humor aumenta significativamente a probabilidade de um indivíduo desenvolver a condição. Por exemplo, em gêmeos idênticos, a taxa de concordância para bipolaridade chega a impressionantes 70%.

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No entanto, diferentemente de padrões genéticos tradicionais (como na anemia falciforme e doença de Huntington), em que um gene específico é responsável por uma característica, a bipolaridade apresenta maior complexidade. É como se houvesse um mosaico genético, em que contribuições de diferentes membros da família se combinam para formar o quadro clínico da bipolaridade. E, mesmo que apenas um lado da família tenha histórico da condição, pode ser suficiente para predispor alguém ao desenvolvimento do transtorno.

Embora a hereditariedade seja central para o desenvolvimento do distúrbio, os fatores ambientais também têm um papel essencial. Traumas têm proeminência nessa lista. Negligência, mas principalmente violência sexual durante a infância são gatilhos. Estudos mais recentes têm apontado um fator relevante: o consumo de tabaco pela mãe durante a gestação aumenta o risco de bipolaridade para o futuro bebê.

Segundo Kapczinski, um dos mecanismos que explicaria essa associação é o efeito do tabagismo no crescimento e na diferenciação celular, o que impacta o desenvolvimento do bebê.

Conter as crises para evitar a progressão

Um conceito fundamental no contexto do transtorno bipolar é o da neuroprogressão, que se refere à aceleração no avanço natural da doença ao longo do tempo. Em essência, isso significa que a condição pode se desenvolver de diferentes maneiras, algumas mais favoráveis do que outras.

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Uma evolução menos favorável pode envolver intervalos mais curtos entre os episódios de mania ou depressão, mudanças no volume cerebral, prejuízos funcionais e cognitivos, além de respostas menos eficazes a tratamentos medicamentosos e psicoterapia.

Em média, quanto mais episódios uma pessoa vivencia, maior a probabilidade de a condição progredir de forma desfavorável, com episódios mais graves e prolongados, e menor limite para o desenvolvimento desses episódios. Além disso, aumentam as chances de a pessoa sofrer de demência no futuro. Portanto, é crucial trabalhar para reduzir a ocorrência dessas crises.

O uso de substâncias psicoativas como cocaína e maconha (principalmente quando usadas ao mesmo tempo) representa um fator de risco relevante para o desenvolvimento do transtorno bipolar. Bebidas alcoólicas liberam substâncias inflamatórias que são uma receita para impactar o sono e desestabilizar o humor do indivíduo. Kapczinski e outros especialistas da área, como Luciana Sarin, psiquiatra da Unifesp, desaconselham fortemente o consumo.

Para aqueles já diagnosticados, controlar o sono e o estresse são dois pontos essenciais. Se o sono fica desregulado, com surgimento da insônia, com longas horas em mídias sociais à noite, os neurotransmissores podem ser afetados e haver uma piora nos sintomas da bipolaridade.

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O ciclo circadiano, que é como um relógio interno do corpo, também é fundamental nessa história. Ele regula ao longo do dia quando estamos acordados e quando estamos dormindo. Se esse relógio fica fora de sincronia, pode desregular o humor e a energia, o que eventualmente leva a mais episódios maníacos ou depressivos. Por isso, é crítico manter uma rotina de sono e garantir que nosso relógio biológico esteja funcionando direitinho.

Em relação ao estresse, quando estamos tensos, nosso cérebro é inundado por hormônios como adrenalina, que alteram o modo como nossas células cerebrais funcionam. No momento do estresse, podemos nos sentir mais emotivos, mas, depois, nossa capacidade de pensar com clareza melhora. Pessoas com transtorno bipolar geralmente têm níveis elevados desses hormônios, mesmo quando estão calmas, e podem ter dificuldades a processar informações e recompensas.

Dessa forma, manejar o estresse se torna algo primordial na bipolaridade, o que passa por escolhas de boa alimentação e uma rotina que inclua atividade física.

Resumindo: se você tem histórico de bipolaridade na família, você e seus filhos têm maior chance de desenvolver a condição. Então, é prudente proteger-se. Evite substâncias psicoativas, incluindo tabaco na gravidez (e em todos os outros momentos – tabaco faz mal sempre!) e álcool ao longo da vida.

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Fique atento a sintomas precoces como problemas para dormir e mudanças de humor marcantes na infância e adolescência. Caso exista o desenvolvimento da bipolaridade, foque em evitar novos episódios e a progressão da doença. Tome os remédios adequados prescritos pelo psiquiatra e, se tiver acesso, participe de sessões de uma terapia baseada em evidências.

Faça todo o possível para manejar o estresse, resguarde-se dele sempre que der. E garanta seu sono, lembrando que um círculo circadiano desregulado pode precipitar crises. Por fim: lembre-se de que a parceria com os profissionais de saúde será crucial para domar os altos e baixos da bipolaridade.

* Ilana Pinsky é psicóloga clínica e pesquisadora ligada à Fiocruz. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), foi consultora da OMS e professora da Universidade de Columbia e da Universidade Federal de São Paulo

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