Voltaram a ser compartilhados com vigor no WhatsApp nos últimos dias dois boatos que têm como alvo o presidente Michel Temer (PMDB). Uma das lorotas garante que o peemedebista decretou o aumento da alíquota de imposto de renda de 27,5% para 35%; a outra afirma que Temer pagará 6 milhões de reais a cada um dos deputados federais que votarem a favor da reforma da previdência.
Como se vê acima, as duas notícias falsas foram unidas em um só texto e passadas à frente na lógica do “compartilhe, faça sua parte, a imprensa está abafando o caso”, frequentemente observada em lorotas online.
O imposto de renda passará de 27,5% a 35%?
O primeiro boato, sobre o aumento do imposto de renda, erra logo de cara, ao alardear que um “decreto” aumentou a alíquota. O Inciso I do Artigo 150 da Constituição Federal proíbe a União, estados e municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Ou seja, mudanças nos valores têm de ser feitas por meio de projeto de lei.
A regra, no entanto, tem exceções, os chamados impostos extrafiscais, como o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF). Mesmo assim, há controvérsia quando o assunto chega aos tribunais. Em julho de 2017, por exemplo, Temer decretou um aumento na alíquota do PIS/Cofins de combustíveis. O decreto foi derrubado na Justiça em primeira instância e mantido em segunda instância.
Aumentar o imposto de renda por decreto, contudo, não é uma exceção possível, como esclarecem dois advogados tributaristas ouvidos pelo Me Engana que Eu Posto.
Igor Mauler Santiago, sócio do escritório Sacha Calmon-Mizabel Derzi, entende que “imposto de renda não pode ser aumentado por decreto, mas apenas impostos como os de importação, exportação, IPI, IOF, e, mesmo assim, dentro de limites fixados em lei. A Constituição os trata como impostos regulatórios da economia, daí a exceção. Fora esses, nada feito”.
“Não se pode aumentar imposto de renda por decreto, mas isso acontece com outros casos tributos, que servem ao controle da arrecadação. Imposto de renda não é um tributo extrafiscal”, arremata Daniela Floriano, do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.
Ademais, o boato dá a entender que há apenas uma alíquota de imposto de renda, de 27,5%, que teria sido elevada a 35%. Há, na verdade, quatro faixas de cobrança. Conforme a tabela do IR em 2017, a taxa de 7,5% incidiu sobre salários com base de cálculo entre 1.903,99 reais e 2.826,65 reais; a de 15%, sobre valores entre 2.826,66 reais e 3.751,05 reais; e a de 22,5% na faixa de 3.751,06 reais a 4.664,68 reais. Os 27,5% incidem sobre salários com base de cálculo acima de 4.664,68 reais, o que, de fato, engloba parte da classe média e os mais abastados.
Em agosto de 2017, noticiou-se que o governo estaria aventando a criação de uma nova alíquota, de 30% ou 35%, a contribuintes com salários superiores a 20.000 reais – não se falou em aumento das alíquotas já existentes. À época, questionado sobre a suposta nova faixa de cobrança, Michel Temer disse apenas que “são estudos que estão sendo feitos, mas nada decidido”.
Governo vai pagar R$ 6 mi a deputados por previdência?
O outro boato dá a entender que cada deputado que votar pela reforma da previdência receberá, pessoalmente, 6 milhões de reais do governo.
A informação, que circula na internet desde meados de 2017, distorce o conteúdo de uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 9 de maio do ano passado. A Folha havia informado na ocasião que, nas negociações pela votação da reforma da previdência, ainda antes do terremoto JBS, Michel Temer determinou a ministros que privilegiassem um grupo de 330 deputados federais no repasse de emendas parlamentares. O jornal afirmou que estes deputados tinham 1,9 bilhão de reais em emendas pendente de liberação pelo governo, valor que daria a cada um, em média, 6 milhões de reais. O dinheiro, pensava o presidente, colaboraria com a boa vontade das excelências ao votarem o projeto com alterações nas regras para aposentadorias.
As emendas parlamentares, no entanto, ao contrário do que o boato dá a entender, não são destinadas aos deputados pessoalmente, mas a obras e projetos em suas bases eleitorais.
De todo modo, não deixa de ser reprovável trocar facilidades na liberação de recursos do governo por votos no Congresso – prática esta, aliás, tão antiga quanto a própria política.
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