O Superior Tribunal de Justiça (STJ) está prestes a julgar um caso que afetará o ambiente de negócios no Brasil. A corte vai analisar uma ação movida por um advogado norte-americano contra o Porto de Navegantes (SC). Luther Terry Grimble quer receber R$ 88,2 milhões do terminal portuário, alegando que atuou como peça-chave nas negociações que culminaram na instalação do porto, em 2005. O problema é que, segundo os autos do processo, ele não tem nenhum contrato assinado e o porto nunca deu ao advogado uma procuração para atuar em nome da empresa no negócio.
O caso interessa a todo o mercado brasileiro de infraestrutura porque Grimble equipara a participação dele no negócio a uma corretagem de venda de imóvel, pedindo 5% de comissão sobre o total dos investimentos feitos para a implantação do Porto. A Justiça do Paraná deu a ele ganho de causa parcial, considerando sua participação em um desses investimentos, o que totaliza cerca de R$ 40 milhões em valores de hoje. O Porto de Navegantes recorreu ao STJ, onde a ação foi sorteada para a ministra Isabel Gallotti, integrante da 4ª Turma do tribunal.
De acordo com a empresa portuária, Grimble bateu à porta da Portonave em 2004, alegando ser especialista em investimentos de infraestrutura e disposto a buscar investidores para a operação. O Porto reconhece alguns encontros, mas nenhum deles caminhou para a assinatura de um contrato ou a consolidação de um negócio. Não houve celebração de nenhum tipo de contrato com o americano, fato que o próprio advogado reconhece nos autos.
CONTRATOS VERBAIS
A decisão do STJ sobre o caso pode impactar todo o ambiente de negócios do país, justamente porque abriria brecha a “contratos verbais” em serviços de consultoria ou investimento, o que geraria enorme insegurança jurídica. O Código de Processo Civil exige prova por escrito em processos como esse, admitindo a prova testemunhal apenas como complementar.
O porcentual da comissão, 5%, também é questionado pela Portonave. O argumento é endossado por um jurista ilustre: na época em que ainda atuava como professor da Universidade Federal do Paraná, Edson Fachin – hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – elaborou um parecer no qual afirma que não existe possibilidade de cobrança de corretagem pela operação. Segundo ele, caso a relação profissional seja comprovada, o pagamento deveria se assemelhar a uma prestação de serviço.
A conclusão de Fachin é firme ao analisar o artigo 725 do Código Civil: “Se a prestação pactuada for, apenas, de aproximação, ou de realização de atos pontuais tendentes a uma futura negociação, não se estará, no plano da existência, diante de um contrato de corretagem, mas de outra fattispecie negocial, situada no campo geral da prestação de serviços”, escreve.
“Haverá corretagem quando uma das partes se obriga a recepcionar as vontades, obter sua convergência e dar negócio como concluído, com a declaração respectiva ao incumbente. Se esse não for o objeto do negócio, não se estará diante de corretagem, mas de outra prestação atípica de serviços ou, mesmo, de ato unilateral, caso inexista prévia avença entre as partes”, destaca no parecer.
O advogado público Davi Evangelista, especialista em direito processual civil e sócio do Reginaldo de Castro e Davi Evangelista Advogados Associados, tem entendimento similar ao de Fachin. Segundo ele, só podem ser consideradas fontes da obrigação da Portonave com o americano um contrato, a declaração unilateral de vontade e a lei. Nesse caso, ele diz, a lei não estabelece nenhum tipo de compromisso.
“Pelo contrário, a lei esclarece que não pode sequer existir tal pedido do autor no ordenamento jurídico, pois é contrário à lei o pedido de ‘comissionamento’ de honorários advocatícios para prestação de serviços de corretagem”, afirma.
O advogado destaca, ainda, que, como nunca houve promessa de pagamento por parte da empresa portuária ou o estabelecimento de um contrato entre as duas partes, não há nada que vincule ao Porto responsabilidade pela operação. “Simplesmente, obrigação e responsabilidade deles não há perante o ocorrido”, atesta.
HISTÓRICO CONTROVERSO
Soma-se a esse enredo o histórico de Grimble nos Estados Unidos, onde respondeu a 16 ações por mau uso de fundos governamentais, na época em que ocupou o cargo de diretor do Distrito de Controle de Drogas do Arizona. Nesse período, foi denunciado por vários motivos, entre eles pagamento de despesas pessoais com dinheiro público – incluindo uma jaqueta de couro e algumas viagens.
As ações lhe renderam uma censura pública da Suprema Corte do estado do Arizona, com condenação de US$ 8.639 mil. Ele também chegou a ter a licença para advogar suspensa por três anos pela OAB americana por falta de pagamento. Os achados fazem parte de um dossiê elaborado por uma empresa americana de investigação. Procurado, Grimble não respondeu à coluna.