A indústria das roupas digitais já é real. Se antes a porta de entrada foi a venda de “skins” – roupas e acessórios para montar o visual de avatares nos videogames – hoje a compra de roupas digitais pelas principais marcas do mundo cresce e tornou possível eventos como Brazil Immersive Fashion Week e Metaverse Fashion Week na plataforma virtual Decentraland. A moda que utiliza recursos como roupas em 3D e espaços de realidade aumentada chegou às principais marcas da moda esportiva como Nike e Adidas, e da alta-costura como Estée Lauder, Hugo Boss, Gucci e Dolce & Gabbana, que fecharam parcerias com empresas de tecnologia. A Louis Vuitton lançou uma coleção para ser vendida no jogo League of Legends e a Balenciaga para o Fortnite. Com o slogan “não precisa ser físico para existir”, a empresa de costura digital The Fabricant atua no mercado na interseção de moda e tecnologia, fabricando alta costura digital e experiências na perspectiva da mudança de um status único da moda ao alcançar um futuro no qual a moda transcende o corpo físico, livres das restrições do mundo material.
Contudo, se por um lado há empolgação com o mercado das roupas digitais, por outro há preocupações bem concretas com o lado oculto do ufanismo tecnológico. O metaverso não é um lugar tão virtual assim, mas uma infraestrutura física colossal, composta por fibra óptica, redes de satélites, linhas telefônicas, cabos que atravessam oceanos, galpões enormes lotados de computadores e aparelhos feitos de ferro, aço, alumínio, cobre, plástico e resina. Sem falar no consumo abissal de água e energia. Neste contexto, como fica a continuidade da mobilização em favor de uma moda consciente e adequada às demandas contemporâneas por equidade, justiça e sustentabilidade?
A tensão de forças culturais que atravessam as questões entre moda e metaverso ficou evidente nas últimas semanas devido ao movimento Fashion Revolution, que acontece em diversos países desde 2013 no dia 24 de abril e difunde a hashtag #QuemFezMinhasRoupas? O movimento que ganhou força e notoriedade no Brasil por criticar corporações da moda que exploram mão de obra escrava e atuam sem uma cadeia de produção ecologicamente sustentável. Como se sabe, a indústria têxtil busca um caráter sustentável por ainda ser uma das maiores poluidoras do planeta: extração da matéria-prima, processos de fiação, tecelagem, beneficiamento, corte, costura até o descarte aumentam o seu impacto ambiental. Por outro lado, a moda é agente de transformação e produtora de uma complexa cadeia de valor. De que maneira isso pode agregar ganho social na união com o metaverso é a questão.
Assim, na reconfiguração do mundo depois da pandemia, as críticas antigas direcionadas à indústria da moda foram retomadas e ampliadas com a aurora das roupas digitais. O Brasil tem fatores relevantes neste cenário: é o terceiro país com maior número de usuários em redes sociais em todo o mundo, tem uma juventude em crescente engajamento político-econômico e uma indústria têxtil consolidada. A força do mercado da moda brasileiro é compreendida em números: são mais de 1,5 milhões de varejistas e um faturamento de R$ 194 bilhões em 2021, conforme balanço da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção). Além disso, a moda tem força significativa entre os consumidores digitais: as compras no setor representam 15% de tudo que é transacionado online no país, conforme o relatório Webshoppers Ebit/Nielsen 2021. O futuro da moda passa pelo Brasil.
* Beatriz Brandão é doutora em Ciências Sociais pela PUC Rio e realiza pesquisa de Pós-doutorado em Sociologia da Cultura pela USP
** Davi Lago é coordenador do grupo pesquisa sobre ética e tecnologia no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia / PUC-SP